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segunda-feira, 1 de agosto de 2016

27/27







Era uma noite clara e levemente fria, um inverno que parecia pedir desculpas pelo incômodo das jaquetas e blusas que se esbarravam naquele bar.

Eu estava lá, agarrado á uma lata de Baby Daddy IPA, intercalando goles carregados do amargor do lúpulo com algumas conversas esporádicas com os presentes.

Uma rodinha animada aqui, outra ali. "Opa, viu o último álbum do Megadeth ?" - "Vi sim. Curti pra caralho. Tem um brasileiro na banda agora, uhn ?".

Rapidamente me pego mais entretido com as informações da lata do que com o redor. Olho pro meu amigo e lá está ele, feliz com a presença de (quase) todos os queridos, e isso me faz satisfeito.

Houve um tempo no qual eu peguei gosto por conhecer pessoas novas em lugares e oportunidades assim. Cerveja, desconhecidos, conversas animadas sobre qualquer merda.

Por algum motivo, talvez o mesmo motivo que leva pessoas á se viciarem em analgésicos ou preferirem Netflix á cinemas, eu perdi este gosto.

Meu camarada envolve a ficante ruiva num abraço, sorri e tenta beijar ela. Ela tenta se desvencilhar rindo, depois cede. O dono do bar, ótima pessoa, energicamente arruma notas ao lado dos dois.

Uma vez, naquele bar, eu havia esquecido minha mochila após beber além da conta em uma noite como aquela. Havia cerca de 500 reais em objetos de valor dentro dela. Ele a guardou, intocada, e me devolveu assim que abriu o bar no outro dia.

Coisa engraçada, a honestidade. Sempre aguardamos ela como uma obrigação, mas a reconhecemos como a virtude que ninguém realmente botava fé que iria aparecer. Soltamos um "obrigado!" sincero, quase um alívio.

Sintomático. Há algo doente na nossa sociedade. Ou, talvez, haja sociedade na nossa doença.

Mais provável.

Alguém bate no meu ombro. Meu amigo. "Hey cara, tá curtindo ?! Vamos lá fora, vou fumar um charuto !" - "Claro, vamos sim."

Peço para dar uma tragada. Charuto cubano, ele jura. Não sei a diferença entre um charuto cubano e um charuto clandestino feito em Assuncion. Mas acredito.

Dou a tragada, mas "sem puxar para o pulmão", conforme instruções claras, ou ao menos o mais claro que consegui entender depois de dois litros de cerveja forte no organismo.

Surpreso, noto que não odiei. Sempre detestei, e ainda detesto, cigarro. E ali, talvez, eu entendi quando dizem que o problema dos vícios leves é que eles te levam pros mais pesados com o passar dos anos.

Peguem o meu Eu do passado há cinco anos atrás e verão alguém que não bebia cerveja.

É.

Devolvo o charuto. Uma pequena comoção dentro do bar assim que somos chamados pra dentro. Um escritor famoso, que gosto muito, estava ali, bebendo numa confraternização de tempos de escola.

Putresco, o aniversariante-charutador-meu-amigo/irmão-ao-longo-de-17-anos entra em epifania.

André Vianco estava ali, na nossa frente, e numa humildade surpreendente, para pra conversar conosco.

Li todos os livros do Vianco. Na adolescência, me impregnava em suas histórias de vampiros e monstros que eram derrotados por guerreiros destemidos nas ruas da minha cidade. Foi sua literatura que me fez olhar pro meu ninho urbano como mais do que uma simples exportadora de hot dogs e pombas - agora era um mundo á parte, com espaço para o fantástico.

Nunca havia conhecido alguém famoso que eu admirasse. Sempre me perguntava o que faria se visse.

Bem, agora sabia. Ali estava eu tirando fotos para fãs e soltando frases prontas de relações públicas.

"Seus livros são ótimos, cara."

Vianco pra um lado, Putresco pro outro, eu vou dar uma mijada.

Volto, pego outra cerveja, encosto numa mureta de madeira qualquer e encaro as luzes da cidade lá no fundo.

O ar gelado castiga e reforça a cena das chaminés esfumaçando na linha do horizonte, a estrada e suas luzes logo atrás, como um caminho para o infinito e além. Uma bela fotografia mental.

O escritor vai embora. Nos cumprimenta, um a um, mas ao meu amigo, ele dá o abraço mais sincero e pessoal. Acostumei com aquilo. Putresco é o tipo de ser humano que você bate o olho e vê ele despido de qualquer máscara. Tão fodidamente autêntico que as pessoas o amam. E, por sorte, meu melhor amigo - palavras dele, que me deu o primeiro pedaço de bolo no fatídico 27 de Julho de 2005.

Eu, por outro lado, sou um gênero completamente diferente de ser humano. Do tipo que você gostaria de ter por perto, mas não tão perto assim.

Algumas pessoas constroem pontes facilmente, outras erguem muros, e eu...bem, eu construo labirintos nos quais nem eu mesmo me acho. Olho pra eles em toda sua complexidade arquitetada e digo "uau, minha mente é fantástica".

Pena que seja usada para, invariavelmente, me foder.

Saca aquele mago do Caverna do Dragão que tem um chapéu mágico no qual ele consegue tirar qualquer feitiço ou coisa que quiser, mas só tira o que não precisa ou lhe atrapalha ?!

Prazer.

Uma da manhã, o corpo sente o baque do álcool. Sinto que é hora de ir. Chamo um Uber, me despeço do aniversariante realizado, e observo a cidade dormente no caminho.

A cidade que dava cria de escritores famosos á times de futebol americano.

Quem sabe um dia eu possar ser alguma coisa também.



AD INFINITUMN











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