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segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Dead Memories






Estava deitado, olhando pro teto, com o uniforme da empresa colado ao peito e a claridade ofuscando todo o resto.Estava apenas descansando, quando ouviu uma sirene lá longe.E então, num sentimento de dejá vu mais intenso, foi transportado daquele quarto, daquelas paredes vazias e daquela cama desarrumada para um outro lugar, aonde uma sirene também tocava distante.

Fazia calor também.Ele se sentou, e se descobriu dentro do antigo escritório localizado no alto daquele prédio na região central de São Paulo.Olhou para a direita e viu seu antigo chefe, lendo o Jornal.Olhou para a frente, e viu o garoto alto e esguio, de óculos fundo de garrafa.Moisés, é, era esse o nome dele.Falava ao telefone, mas não havia mar algum se abrindo ao seu toque.Ao seu lado estava um outro garoto, cabelo raspado, ainda mais esguio, branco, usando piercings.Sim, era um grande amigo, competente, e seu nome era Renan.Da última vez que se falaram, ele havia voltado a batalhar contra o câncer.E então, o tempo continuou a rodar como se ele, amassado e parado, não estivesse ali.Ele via tudo, mas nada o via.Seus olhos continuaram a percorrer a fileira de mesas, e ele chegou a...ele mesmo.Estava curvado, as costas largas, as mãos apoiando um rosto carrancudo, os olhos acompanhando um livro sobre a Segunda Guerra de Anthony Beevor.Parecia menos cansado, despreocupado e mais em forma, embora a forma como seu olhar volta e meia se desviava das letras impressas e se voltava para a janela mostrasse que aquele processo - aquele maldito processo - de tristeza e término da melhor fase de sua vida estava já em andamento.

O telefone tocou, ele atendeu com voz educada e disciplinada, porém sem entusiasmo : Bem vindo ao Help Desk, boa tarde, em que posso ajudá-lo ?.Se aproximou dele mesmo, e observou a hora e a data no computador : 17:12, 7 de outubro de 2008.Deus do céu!Voltara quase um ano atrás em sua própria mente.Via tudo em detalhes, as pessoas, as conversas.Uma agonia foi crescendo dentro dele, agonia de quem está fora do seu tempo e espaço, mas quer ficar ali.O Diego do passado desliga o telefone.Olha para o lado e hesita em falar algo (precisava falar algo sobre aquele medo, precisava mesmo, mas como ele mesmo sabia, pois vinha do presente, esse algo nunca foi dito, e o medo se tornou realidade).Naquele dia, uma pessoa especial fazia aniversário.Não precisou olhar o sms que o seu eu do passado mandava para saber disso.Então, como efeito curto, as imagens foram ficando borradas e ele foi voltando, sentindo ser repuxado para sua realidade.

O teto, as paredes e o sol estavam de volta.Olhou no relógio.14h42.Dia 5 de Outubro de 2009.Respirou fundo.Odiava sentir nostalgia.Aquela foi bem forte.

Pensou se deveria mandar um recado para alguém dali a dois dias.E dizer o que ? "Oi, eu sei que sou um maníaco depressivo que você detesta e que nossas vidas não tem mais nenhuma conexão á 215 dias, mas feliz aniversário!".Não, obrigado.

Mais uma vez, se sentia Jim Carrey naquele filme em que ele apagava a própria memória.

Se levantou, botou o velho óculos aviador Stallone Cobra vou-te-pegar-seu-monte-de-cocô, esboçou um sorriso frente ao espelho (que soou ainda mais irônico e forçado perante a barriga notável abaixo da camisa e do rosto cansado) e saiu para trabalhar.Para fazer mais história.Para definir um futuro melhor do que o passado.Entram as glórias, saem as memórias.



A memória ás vezes é um dom.Ás vezes é um inferno.Ás vezes é um pouco dos dois.


Até mais, caros raros.


AD INFINITUM

2 comentários:

Unknown disse...

De fato, Di, há algumas coisas que o simples fato de guardá-las [ainda que involuntariamente] na memória, constantemente nos tira a paz.

Tem uma música que diz assim: 'Quando a gente tenta, de toda maneira, dele se guardar, o sentimento ilhado, morto e amordaçado, volta a incomodar'.

Mas, puxa vida, parou pra imaginar como é bom poder lembrar a grande maioria das coisas? Principalmente o aprendizado que essas coisas nos trouxeram há tempos atrás.

Sinceramente, acho que não há absolutamente nada que eu gostaria de apagar da minha memória. Existem, sim, diversas coisas que me entristecem, me magoam, algumas coisas das quais me arrependo por ter feito ou deixado de fazer, e que permanecem até hoje na minha mente. Mas todas elas me trouxeram algo de bom: em geral, o amadurecimento. E tudo o que aprendi com elas é o que me faz querer mantê-las bem vivas na memória.

Não olhe só um lado da moeda, sweet ;*

Amo você.

Beijos,

Mi.

Anônimo disse...

"A memória ás vezes é um dom.Ás vezes é um inferno.Ás vezes é um pouco dos dois."

Uau !
memória é um dom infernal para aqueles que insistem em sofrer com as coisas do passado... acho que eu fui aprendendo a me esquecer dos sentimentos do passado, porém, ele sempre nos pega desprevenidos quando podem, não é mesmo?!

dois comentários dentro do comentário:
1 - fiquei abismada! você contou até os dias... duzentos e tantos... !!
2 - eternal sunshine of the spotless mind. :)