• Twitter
  • Facebook
  • Instagram
  • Youtube

terça-feira, 23 de novembro de 2010

I am the one...





...who lost control, but in the end I'll be the last man standing

(Hammerfall - Last Man Standing)


Eu visto meu Macboot velho desbotado, e eu abotoo minha calça batida e apertada.

Verifico minhas coisas, vejo se está tudo no lugar, como um procedimento tão vital.A rotina é vital.

Olho a hora no relógio digital da sala.04:25 da manhã.

Desço a escadaria na velocidade que a tontura permite.Engulo algo como se deve engolir de forma que não se morra mas que também não se sinta.Tempo é dinheiro, comer é dispensável.Não estou desnutrido.Esqueça o prazer de comer.Apenas engula.O tempo é dinheiro.E você está se atrasando.

Pego o molho de chaves pendurado no símbolo da Sociedade Esportiva Palmeiras.Apago as luzes do corredor, e então tudo fica escuro.

Sono.Minha cama é uma dama.

Uma dama que canta suave, e me pede em seus braços.Consuma seus desejos em mim.

Eu não ouço.Abdiquei dessa história de desejos e prazeres desde a parte do comer, a cinco minutos atrás.

Encaixo a chave no portão, com dificuldade.Abro.Cruzo o corredor interno.Abro o outro portão.Chego á garagem olho a rua.

Silêncio.

Sem barulho de carros, ou pessoas, ou animais.

Apenas silêncio.

Minhas pernas reclamam.Minha memória replica dizendo que á quatro anos eu executava rotinas maiores sem enferrujar.As pernas não ligam.Continuam a latejar.

Meu macboot e minha calça se tornaram parte de mim.

Desço a rua.Posso ouvir minha respiração.

Inspira, expira, inspira, expira.O som dos passos no asfalto.

Como em um cenário de velho oeste, dois adversários estão ali : eu e eu mesmo.Não estamos em direções opostas.

Chego ao ponto, espero o primeiro circular do dia passar.Um cão sarnento passa solitário do outro lado da rua.Parece feliz em lamber a água que passa pelo meio fio, sem se importar com as feridas da sarna coçada.

Aos ignorantes, a felicidade.

E então vem ele, com seu motor 0-500V, em uma carroceria Mercedes bem ajeitada.Faróis altos, uma cabine de motorista escura.

Se o dia parece um fardo, ele não parece hesitar em ser o meu guia.

E eu aceito a gentileza, pagando o justo preço de três reais e setenta cinco centavos.

Adoraria ouvir Mozart e fingir que o cara de três bancos atrás não está compartilhando com todos nós o melô da pentada forte.Não sei o que quer dizer com pentada, e não sei o que o faz pensar que gostaríamos disso.

Mas essa é a vida.Alguns compartilham amor, outros compartilham funk de celular.Cada rei com sua nobreza.

Viajo longe como só uma mente cansada e um corpo preguiçoso poderiam oferecer.Não me importo com os quilômetros agora.O guia é bom, é vigilante, e não falhará em sua tarefa de me deixar aonde devo estar.

E lá estou eu.

Em outro ponto de ônibus.Sem cães de sarjeta, mas ainda o silêncio noturno.

Um outro guia vem me buscar.Mais elegante, mais sóbrio, mais escuro.

Como se fosse a entrada social do purgatório.E eu fosse o convidado de honra.

Sente-se aqui, meu bem.Estamos esperando por você há longos vinte anos.Embora devo dizer, sentimos você já meio morto há alguns dias.Oh, desculpe a indelicadeza...

O guia está com quase todos os lugares ocupados.Menos um.Rostos de olhos fechados, como em uma ilusão coletiva.Um grunhe, outro ronca, e talvez alguém esteja sonhando estar acordado.

Eu ocupo o meu lugar, ao mesmo tempo que o guia dá um solavanco.Minhas pernas parecem ter dormido.

São apenas cinco horas da manhã.

E quando eu chego na empresa, eu não tenho mais um brilho no olhar, ou um sorriso estampado.Eu não sou mais um comercial de margarina.Eu sou um anúncio do Plantão.Eu sou a notícia do desastre estampado em sua casa.

Você não quer me ouvir, você não quer me ver.Se quiser, é porque tem um senso sádico e estranho por novidades de grande porte trágico.

Bato meu cartão como um funcionário público adestrado nas escolas da repartição faria.Cumprimento os sentinelas como um dono de empresa tentando ser simpático faria.Me levo até o meu setor como um dono de escravos faria.

E os meus punhos fecham de novo.

O mesmo de novo de tantas vezes atrás.

Você já viu esse filme antes, eu também vi, garoto.Acho que você perdeu o ritmo da coisa.Não acha ?

Não acho porra nenhuma.Não quero perder.Eu ainda estou no controle.

Embora não acredite mais nisso.Descobri que minha existência é uma resistência.

E o dia só está começando.São seis horas.

Round 1.

Quem vai vencer hoje, Destino ?


"So close no matter how far
Couldn't be much more from the heart
Forever trusting who we are
And nothing else matters"





AD INFINITUM

0 comentários: