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terça-feira, 25 de outubro de 2011

Wind of Change





Ele entrou no trem.

Eram 18 horas em ponto.

O calor era causticante, e todos os universitários trajavam roupas leves.

Sua camisa do Palmeiras, embora com toda a suposta tecnologia Dry-Fit, não colaborava.Sentia as costas molhadas.

Suas mãos se esfregavam, ansiosas.Sonhara a vida toda com protestos, com fazer a diferença. Leu sobre Martin Luther King Jr, Gandhi, Malcolm X, Chico Mendes, Joana D'arc.


Gente que lutou em épocas tenebrosas por aquilo que sabiam que era o melhor para todos.

Uma hora se cansou daquela distância.Uma hora quis parar de ler histórias e escrever a própria.

E ali, depois de um período de seguintes humilhações e roubos, a torcida de seu time estava cansada dos políticos no comando.

Um protesto havia sido marcado, e ao bem da verdade, ninguém botava fé naquilo.Apenas algumas pessoas.

Entre eles, ele. O garoto de Osasco.

Quanto o trem parou na estação e ele desceu, um relâmpago cortou os céus, e uma tempestade se anunciou.

Eram 18h20.

Dez minutos para o começo dos protestos.

Será possível que até a natureza estivesse contra ?

A resposta veio quando chegou ao nível da rua.

A chuva veio torrencial, e logo o nível da água na avenida subiu.

Ele não tinha trazido guarda chuva, e veja só que engraçado, havia sido detectado com princípio de pneumonia no mesmo dia.

De repente, o protesto pareceu uma má idéia.

"Não vai dar", "Agora que ninguém vem mesmo" e "Eu não acredito nisso" foram os pensamentos que vieram a sua mente.

Mas havia algo nele, algo no coração.Algo que simplesmente esnobava desistir.

"Nenhum passo atrás !", como disse certa vez um general russo na Segunda Guerra Mundial.

Respirou fundo, pisou na água, sentiu os pés esfriarem, abaixou a cabeça e foi.

Andou cerca de cinco minutos até chegar embaixo de uma ponte.Estava pingando.

Haviam dois caminhos, uma bifurcação.E ele não fazia a mínima idéia de onde ir.

Tentou usar o GPS, mas...o sinal da operadora não estava pegando.

"Tim. Você sem front...sinal"

Ficou ali, debaixo da ponte, uns quinze minutos.Moradores de Rua e cachorros em torno de um tonel com fogo
eram a companhia do local.

Esperou a camisa parar de pingar, e decidiu pegar o da direita.

Mais alguns poucos minutos debaixo de muita chuva, e ele chegou a um posto.Na esquina, a placa dizia em letras garrafais : Avenida Marquês de São Vicente.

"Ok", pensou ele. "Agora acha o lado certo, mané".

A contagem aumentava pra esquerda, e estava no número 1600.

"Esquerda. Einstein."

Não poderia correr, seu pulmão já chiava.Então foi desejando que a chuva parasse, e como um pedido atendido ("Oh damn it ! Será que queimei mesmo um desejo ?"), assim que foi chegando ao local, a chuva parou.

E lá estavam.200, 300 pessoas.

E então foi como um violinista que chega sem nunca ter tocado numa orquestra e logo se afina aos demais.

Cantou.Gritou.Discursou.Levantou o punho no ar.

Ás vezes sentia o corpo mole, mas ele olhava pro lado, via um companheiro mais ativo, e isso bastava pra ele voltar á carga.

Volta e meia chegavam notícias de dentro da reunião aonde estava tendo a votação.

"51 votos a favor, 41 contra ! Precisamos fazer mais barulho !"

E lá ia ele e mais um monte berrar a plenos pulmões, para que mesmo o mais surdo dos conselheiros ouvisse o seu clamor.

Emissoras de televisão filmando tudo, a tropa de choque postrada com armas em punho.O frio apertando.

Ele sorria.

Sorria.

Por Deus, estava tentando fazer algo pelo que acreditava.

Estava vivo.Vivo !

Ás vezes olhava na internet pelo smartphone (Tim - O sinal que só pega no seco) e via que não estavam só no topo dos assuntos do twitter, como sendo acompanhados por todos os tablóides esportivos do país, que divulgavam a cada hora o que se passava.

Nas redes sociais, as pessoas exultavam. "Heróis", "Guerreiros", "Nossos representantes ! Nos orgulhamos de vocês !".

Por Deus, aquilo era maravilhoso.Havia FÉ novamente na mudança.FÉ em melhora, na força que temos em mudar algo ruim.

E ele era parte daquilo."Os 300 de Palestra", um cronista esportivo anunciou na rádio.

E após horas e horas, no fim da noite, quando já se preocupava se ia dar tempo de pegar o último ônibus, um senhor saiu gritando de alegria no meio da multidão.

"Vencemos ! Vencemos ! Derrubamos a proposta do conselho !"

E então, ele não viu mais nada.Apenas correu junto com as pessoas ao seu lado, abraçou gente que nunca viu antes, pulou, "NÓS CONSEGUIMOS ! NÓS FIZEMOS ISSO ! NÓS REALMENTE CONSEGUIMOS !".

De repente, o mundo era muito mais amplo.

Ele optou arriscar a própria saúde.Arriscou ser preso.Arriscou perder aula.Arriscou fazer papel de ridículo.

Por amor ao mundo que desejava.

E, pois bem, até ele estava surpreso.

Haviam conseguido.

Ele foi parte da diferença que queria ver no mundo.Apenas um clube de futebol, certamente.

Mas um clube de 15 milhões de corações.E em todos os cantos aonde houver um torcedor, haverá a história daqueles que iniciaram a queda do pior ditador político da história do clube.

E até quem não é torcedor vai crer que sim, mobilizações ainda fazem a diferença.

Todos ouvirão daquele dia.

O dia em que ele foi o sonhador molhado mais realizado da cidade.

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4 comentários:

Cyn disse...

Eu odeio futebol. Odeio. Mas a sua crônica fez um acontecimento que é aparentemente banal pra muitas pessoas ficar cheio de vida e de coração. Dá pra sentir seu coração no texto, e isso faz do acontecimento narrado único pra quem lê. Eu odeio futebol e mesmo assim fiquei comovida. Isso prova que não importa a situação, todo acontecimento do cotidiano pode se tornar maravilhoso se vc poe seu coração nele; se vc faz algo que o seu coração diz q é importante pra voce.

Lana disse...

Fico feliz em saber que realizou um objetivo tão importante para ti. Não sou palmeirense, muito menos entendo de futebol... mas tod a emoção que vc expressa ao narrar esse fato é realmente tocante.Tenho convicção que esse é só o começo das tuas conquistas e espero que aproveites todas as oportunidades e vitórias e cresça com as derrotas. E que essa infidável trajetória por respostas, sonhos e propósitos lhe seja satisfatória. Sempre siga seu coração, escute o que ele lhe diz e execute cegamente, só assim poderá ser plenamente feliz, não importa o quão árduo o caminho possa ser.
/Alana

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Nooosssa, emocinante sua crônica, deu muita vontade de estar lá tbm!!
PARABÉNSSSS!! Liliana