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segunda-feira, 18 de junho de 2012

Metropolis











"Uma civilização é um movimento, não uma condição; uma viagem, não um porto."
( Arnold Toynbee ) 




Ando por esta avenida, tão plana e tão cheia de história, erguendo a cabeça para as luzes que me cumprimentam.

Meus sapatos passeiam pelo chão gasto do desenvolvimento, meus olhos cansados avaliam a beleza de cada rosto que passa por mim.

O sobretudo da garota de cabelos alvos encostou na sacola da senhora ruiva, que por sua vez parou e obrigou o executivo a desviar, e este, em movimento automático, esbarrou em mim.

 Desculpas, ele pede.

Desculpas por desculpas. A vida, um eterno acidente para quem não vê a lógica dos fatos, como vi naquele instante.

O hospital em estilo medieval guarda a vida, e a morte está aqui fora, na modernidade dos carros passando em contraste com o morador de rua faminto.

Moedas, ele pede.

Eu não tenho moedas. Eu não tenho dinheiro. Eu não tenho status. Tenho fome, também. Fome de mundo, fome de conhecimento, fome de poder.

Moedas lhe pagariam um jantar, andarilho, mas não pagariam nunca o que quero e preciso.

Lanço-lhe um olhar de desculpas envergonhadas.

Desculpas por desculpas. A sociedade, um eterno desequilíbrio de forças enquanto os fracos se orgulham de assim o ser.

Atravesso a rua. No vermelho. Não vem carro, só vem uma garota de social olhando pra mim, e acho mesmo que uma pessoa pode te matar mais do que um carro, ás vezes.
Flertes fatais podem acelerar um coração mais rápido do que um susto automobilístico. Isso pode ser provado.Assunto vitalmente importante, durante os cinco segundos que levo para cruzar de uma rua á outra.


E que cai no esquecimento logo após. Garotas vem e vão, e de cada 100 que te olham, 99 não irão resultar em nada.


Como a senhora que me pára na entrada da estação.


Informação, ela pede.

Um nome de rua que nunca ouvi falar. Um nome de rua que não tenho vontade de olhar no GPS lento e demorado para achar. Peço desculpas e assumo que não sei.

Desculpas por desculpas. As relações espontâneas, decrépitas e raras pela falta de manutenção dos humanos urbanos.

Eu desço as escadas, e um homem toca gaita após as catracas. Nunca o vi ali. Estava vendo hoje. Algo novo como a minha possível promoção no trabalho. Tempos novos, coisas novas. A mudança é o tesão da vida.

Acho que consigo distinguir Enrico Morricone nas notas. Sorrio.

Velho oeste, nova cidade. Mudaram as armas, continuaram os duelos. Tenho minhas balas, e vou gastar em você, escória corrupta.

A plataforma abriga em seus trilhos água e poeira. Como uma boa história épica deve conter. Fecho os olhos e sinto o vento chegando. Fraco. Então moderado. Então forte. E aí o som.

O vazio do túnel sendo preenchido por aquele objeto monstruoso e rápido.

O garoto esbarra em mim ao tentar entrar na minha frente antes do metrô abrir as portas. Olho surpreso.

Um olhar feio. E perdão, ele pede.

Desculpas por desculpas, você passou na minha frente. Do que adianta rezar pelos mortos que você executou ?

Eu não sou Deus, eu não sou sua consciência.

Não reze por mim.

Eu sou a vida desperdiçada de Jack.

E eu sou humano, ainda. Dez segundos e eu te perdoei mesmo sem querer. Ódio é algo que não tenho conseguido manter. Sorte a todos nós.

Brindo o vagão me deixando solto na inércia do corredor. Fecho os olhos.

Alguém deve estar me achando drogado. E daí ? Alguém pode me matar na próxima esquina pelo meu celular. Foda-se se pareço ter saído de um filme sobre lição de vida pós cocaína.

O vento me joga para trás na mesma medida que a gravidade me puxa para frente. Não me controlo, não me importo, não cago a mínima para nada em um raio de 10 mil quilômetros.

Abro o olho e vejo, já perto do destino, uma mulher magra e pálida, embora com um rosto irrevogavelmente belo passar com desenvoltura no meio do aperto.

Intocável, imperturbável, desfilando como Miss Sarajevo no meio do metrô Consolação.

Um fantasma. Um fantasma como ela. Como o passado. Como a dor que desatina sem doer.

São dez para as vinte.

Vejo minha pressa por conquistas no terno esvoaçante escada acima. Vejo minha angústia no olhar da mãe ao telefone com o filho esperando a fila andar. Vejo minha felicidade no casal se abraçando na entrada da estação. Sinto minha liberdade no metrô que se vai e deixa todo o resto para trás.

Saio para a rua e ali, o ar da noite me toma como seu. A sirene passa gritando por ação. O cheiro das barracas clamam por atenção.

Eu sou a cidade. E a cidade sou eu.

Quando vamos nos encontrar, então ? Sei que em algum canto, você sente isso tanto quanto eu. Os mesmos olhares. Os mesmos sentimentos. Os mesmos fantasmas.

E a mesma metrópole.

A nossa história como um caminho paralelo sem fim.

A cidade que nunca dorme. O garoto que nunca fica em paz.

Feitos um para o outro.



AD INFINITUM



AD INFINITUM.



1 comentários:

Oissac disse...

Intrigante post.
Parabéns. =-)