Mad World

"E acho isso meio divertido,

Eu acho isso meio triste.

Os sonhos nos quais estou morrendo,

São os melhores que já tive.

Eu acho difícil de te contar,

Porque acho difícil para aceitar."

Mad World - Tears For Fears

Caro Jesus,

Eu cresci ouvindo e lendo histórias sobre você. Você era um herói pra mim, de verdade. 

Não queriam que você nascesse, mas você nasceu.

Não queriam que você ensinasse, mas você ensinou.

Por onde você passava, havia quem te amasse e quem te odiasse. Mas você amava a todos.

Inacreditavelmente, juntou um grupo de caras distintos em suas histórias de vida e profissões, e os convenceu a te seguir até a sua morte. Ou quase todos, é verdade. Aquele do beijo no rosto, nós espancamos todos os anos no Brasil.

Judas, O Boneco.

Te espancaram, cara. Te pisaram, humilharam, torturaram, cuspiram em você, te fizeram correr com uma cruz gigante nas costas um caminho enorme.

As pessoas que você havia amado te condenaram e sorriram ao ver você morrer. A sua morte foi pão e circo para o povo.

Eu admiro isso, de verdade. Aliás, você deve estar cansado disso. Quantos bilhões de pessoas ao redor do globo não ficam falando de você, bem ou mal, todo santo (opa) dia ?

E eu estou aqui, dois mil anos depois, cara. Não mudei porra nenhuma, meu nome só está escrito no livro do cartório de Osasco e eu não lavei os pés dos mendigos da cidade. Não expulsei vendilhões de Brasília. Não transformei água em vinho.

Eu me pergunto, todo dia, qual a razão de você ter existido e ter feito o que fez.

É óbvio, muita gente pede sua presença histórica. Jesus, cura minha doença, Jesus, me traz prosperidade, Jesus, estou louvando você.

Veja bem : minha pergunta é meramente existencial.

Não estou pedindo pra me dar um carro do ano. Estou pedindo uma única resposta.

Porquê ? Porquê você fez isso ?

E não me responda "porque te amo". Não, você sabe que a resposta vai além disso.

Olha o que fizeram com você.

Fizeram guerras no teu nome. Empunharam sua cruz em massacres que trazem consequências até hoje. Usam você para tirar dinheiro dos pobres, para prometer curas impossíveis, fortunas em curto tempo, a televisão aberta invoca seus milagres em busca de ibope.

Jesus, cara : olha como somos um saco de merda.

Dois mil anos, e eu ainda vejo gente se matando na rua. E olha que aqui somos civilizados. Não vamos entrar no mérito dos países em guerra civil, que contam com a indiferença dos cristãos bem vestidos.

E eu sempre te defendi. Nunca fui de obedecer dogmas. Casar virgem. Comer hóstia. Fazer sinal da cruz. Pedir permissão pra pastor. Dar três pulinhos na onda.

Não, eu te vejo como o cara que andava com mendigos e prostitutas e não estava nem aí, porquê os via como filhos de Deus, e não como escórias da sociedade.

E você não tinha igreja, não cobrava dízimo, puta que o pariu, você não xingava !

E veja, irmão, como sou ignorante.

Eu não sei viver mais por aqui. Eu estou de saco cheio. Muito de saco cheio. Você não faz idéia.

Tudo se tornou desafio. As pessoas estão abominavelmente egoístas na minha família, nas ruas, até no facebook. Você sabe o que é isso ? Falam de você o dia todo lá. Só não praticam o que você disse. Se você tivesse um, ia ficar de saco cheio também. Ou não. Eu nunca te entendi nesse ponto.

Não me leva a mal, irmão. Vou te chamar de irmão, mesmo, porque Deus é o nosso pai, e foda-se. E vou falar palavrão, desculpa, mas na sua presença eu tenho que ser muito transparente, e na intimidade, eu falo palavrão.

A lei da vida é complicada neste mundo. Você sabe disso. (O que é que você não sabe ?)

Eu só queria que me respondesse : porquê ?

Eu apanhei pra caramba nesses vinte e dois anos e tô apanhando ainda mais.

E na boa, eu apanho mais um século se você me dar essa explicação.

Porquê você é meu último herói, Jesus. Os outros foram morrendo a cada tapa na cara que alguém me dava.

Eu perdi a fé nas pessoas. Perdi a fé na evolução. Perdi a fé em mim mesmo.

Uma amiga minha cortou laços de três anos depois de uma discussão besta por causa de futebol. Uma garota gostava de falar comigo, agora um amigo adicionou ela, e ela continua gostando de falar comigo - a cada três meses. Saí pra comemorar o título do meu time na rua, semana passada, e fiquei sabendo no outro dia que mataram oito pessoas na minha cidade por tráfico de drogas. Eu entro em casa e sinto coisas ruins, eu saio na rua e parece que estou no novo filme do Stallone.

Reclamações idiotas, é verdade. Um amigo morreu de câncer esses dias, ele sim tinha coisa pra reclamar. Mas eu sou humano. E eu tenho ego, tenho carência, tenho bastante coisa estúpida pra encher de dinheiro os terapeutas da cidade.

E pra mim, já deu. Não rola mais ser segunda opção na vida dos humanos alheios que são prioridade na minha.

Essa coisa de "você é especial até eu achar alguém melhor", ou "te amo enquanto você não agir fora do que gostaria", não é o tipo de situação que eu aguento por mais anos e anos aqui no planeta azul.

E eu venho perdendo o tesão de ajudar os outros a cada sacanagem que fazem. A cada ato de frieza, ou distância. Ou julgamento. Ou indiferença. Ou descarte.

Olha o mundo, irmão.

Ele agoniza. E eu queria muito ser alguém bom como você foi.

Mas já esgotei minha motivação. Então, nunca te pedi saúde, dinheiro, felicidades, casamento ou loteria.

Vou te pedir agora : me responde, porquê vale a pena ser bom com os outros.

Ou dar atenção. Ou ajudar. Ou gostar.

Eu preciso disso, porquê estou a ponto de desistir. Pra mim, acabou. A vida é uma piada, e eu não levo jeito pra ser palhaço.

Também não vou pular da ponte, você me conhece.

Talvez eu decida simplesmente ser mais um filho da puta na vida. E pisar em todo mundo que eu lembre que me machucou. E viver baseado no proveito da inocência de outros que ainda acreditam na sua mensagem.

 E minha inteligência seria um problema neste caso.

Mas eu não quero. Eu não quero, eu não quero. Só estou estourando porquê cedo ou tarde, mesmo as pessoas boas que conheço mostram seu lado não tão bonito assim,e mostram pra foder com tudo.

A vida parece tão mais fácil pra quem é egoísta.

Por favor : não me deixe ir embora de perto de você.

Não quero ser o mal exemplo no final do livro.

Deixa eu voltar a ser o garoto que queria mudar o mundo. E que não tinha mais ódio do que amor no coração.

Me dá a razão, a motivação.

E eu não te peço mais nada. Eu juro.

Do seu mano,

D.

AD INFINITUMN