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sexta-feira, 20 de novembro de 2009






Todo ser humano nasceu com a capacidade de mudar o próprio destino.As gaivotas não escolhem morrerem atoladas em petróleo que vaza ao mar.Mas o homem escolhe deixá-lo jorrar.Seu ouro negro.

E foi assim que a sexta feira começou.Sexta-feira vinte de novembro, porque a treze não teve nada além do normal.O céu estava nublado, quando aquele radialista maldito que o vizinho ouvia todo dia lhe entrou pelos ouvidos.O rádio verde musgo Philips parecia ser tão velho e inútil como o membro que pendia daquele senhor, mas ainda chiava o suficiente para acordar a vizinhança.

Levantou, foi ao banheiro e lavou a cara.Havia algo de diferente em seu rosto.Parecia mais limpo, mais claro, mais estético.A barba rala lhe descia pelos cantos do rosto formando um estilo Gambit.Mas não haviam cartas a explodir.Talvez pessoas.Sim, pessoas.

Sexta feira passada, a treze, aquele professor com claros problemas de obesidade e cara mórbida, o xingara até não querer mais porque a internet havia caído dois minutos.Não adiantaria explicar que ele não tinha haver com isso.Só iria prolongar a discussão.Então, ouviu quieto.Mas hoje ele sentiu que poderia sim explodir alguém.

Assistiu um filme brasileiro sobre o cara morto acidentalmente no metrô de Londres.Uma compaixão subiu-lhe pela garganta, e uma indignação junto.Alguém bom fora morto em um canto do mundo.Alguém que mudara vidas.A sensação de querer explodir alguém aumentara.Alguém injusto.Como o gordo da internet.

Entrou na ducha.Esfrie a cabeça, filho.Essa não é sua filosofia de paz.Mas conseguir paz é ser submisso ? Era paz que ele estava tendo em sua cabeça agora ?...Não.Lera alguns dias atrás a matéria sobre John Nash, o matemático brilhante interpretado por Russell Crowe no cinema, e seu amigo judeu, que aperfeiçoara sua Teoria dos Jogos e ganharam um nobel por isso.Sua definição era bem clara quanto a um assunto : Quem faz concessões, não ganha o jogo.Começa a perder.Dizia o ditado latim : Se queres a paz, prepara-te para a guerra.



Si vis pacem, para belum.



Vestiu o uniforme azul escuro.Sempre caia bem nele, era mágico.Nem parecia com sobrepeso.Abriu o exame de sangue.Tudo em excelente estado.Há 19 anos era assim.Com peso a mais ou não, estava sempre em excelente estado de saúde.Se arrumou.Seu pai ia sair, e ele aceitou a carona.Nada de ônibus lotados hoje, baby.O céu lá fora fechava e ralhava, como um...gordo da internet (existiriam dinamites em supositório ?).

Trânsito caótico, seu humor continuava tão estável como uma gelatina de morango, aquelas que a avó fazia e ele sabia que nunca ficavam no formato ideal.Mas eram gostosas.Nunca mais comera gelatina desde que perdera o sentido de família.Respondia as perguntas dos pais de forma monossilábica.Quase sempre "não".A mãe perguntou se estava tudo bem, ele estava com cara de dor.Não, mãe, está tudo bem.

Chegou ao trabalho, e começou a chover.Deixou o corpo deslizar pra fora.A chuva batia contra ele, e a sensação era maravilhosa.Que caíssem mil raios.Eu sou o senhor de meu mundo, e eu vos ordeno.Sim, não há mais ninguém aqui.Só eu e você, chuva.Seja gentil.

A chuva parou.Faltavam vinte minutos para entrar.Mas ele entraria.Antes que o sol viesse e estragasse tudo.Não havia ninguém na sala.Uma fila enorme de pessoas emburradas.Perguntou se já haviam sido atendidas, e a forma da resposta fez ele querer voltar e ver se o sol não aceitaria um pedido de desculpas e uma compania legal.

Ficou assim, solitário e atendendo, durante uma hora e meia.Então eles surgiram.Falaram em reunião e mudanças.Medo de mudanças, toda vez que ouviu falar delas pessoas morreram na história da humanidade.Mas elas viriam.Quem sabe ele ganhasse uma efetivação.Talvez uma indicação pro Silvio Santos.Olá auditóriom, esse é o guri de hojem, que veio da caravanam de Osascom e é um consultor Jequit...

Então, aconteceu.Ela veio, pediu um favor.Era urgente, e viu nos olhos dela (azuis esmeralda) que ela tinha desespero real.Ela precisava daquele documento para passar no exame final, e o prazo final era dali cinco minutos.Ele cedeu, e então, ela agradeceu e disse :"Obrigada.Acho que hoje eu vou dormir pensando que ainda há quem se importe com o outro nesse mundo".Era só uma porra de um exame.Era só uma porra de par de olhos azuis.Mas aquela frase.Um reconhecimento, não, não só.Mais do que isso.Uma mente mudada.Uma alma renovada.Por uma simples impressão retardada de trinta centavos.Compraria dois dadinhos de amendoim com trinta centavos.E mudara alguém com isso.

Ficou pensando naquilo.Quando a quinta feira havia acabado, se sentira um inútil que falava abrobrinhas.Muitas pessoas deram indiretas sobre isso.Estavam decepcionadas com o modo como o garoto que iria mudar o mundo se portava como um animador de platéia.Daqueles, do programa da Jequiti e da Caravana de Osasco.Ele precisava dar uma resposta ao mundo.Hey, bastardos.O sonhador aqui sou eu.Sou eu que vou mostrar pra vocês que suas cabeças podem dormir tranquilas no futuro.A garota dos olhos azuis pode ter sido hipócrita, ter inventado aquilo.Mas, mesmo que ele não tivesse mudado o mundo dela, ela mudara o dele naquele instante, assim como todas as outras que cruzaram seu caminho mudaram, pra melhor ou pior.Ela reacendera o morto da quinta-feira.Meu nome vai sumir do obituário, neném.E vai pro Nobel da Paz.

Até o fim do dia ele ainda levaria outras duas (três, mas essa última ele não tinha certeza, talvez pudesse encarar como problema de relacionamento do pobre infeliz) patadas feias, sem motivos, como as do gordo da internet, mas ele não sentira vontade de explodir ninguém.O dia de alguém havia sido salvo por ele.Alguém salvara ele, também.Ninguém precisa saber disso.A história termina bem, e termina aqui.



AD INFINITUM, caros raros.







2 comentários:

Unknown disse...

"Obrigada. Acho que hoje eu vou dormir pensando que ainda há quem se importe com o outro nesse mundo"

"Obrigado! Por estar aqui."

"Obrigado, o mundo seria tão mais feliz"

Eu prefiro te dizer: "Obrigado, muito obrigado!"

Ás vezes me pergunto se nós paramos de pensar no porquê somos chamados de humanos.

Unknown disse...

Acredito que há pessoas que nos fazem repensar sobre a nossa propria identidade.É tão intrigante como uma palavra ou um gesto nos causam tanto efeito.
Adorei a forma como conseguiu colocar em palavras aquilo que sentiu.