• Twitter
  • Facebook
  • Instagram
  • Youtube

segunda-feira, 15 de março de 2010

The Passenger





Existem problemas em ser sonhador.Coisas como viajar alto demais e acordar desempregado ou cruzar o país em busca de respostas fazem parte deles.

Mas,certo dia, ao ler trechos do livro de Amir Klink, o brasileiro que rodou o mundo dentro de um barco, eu entendi o espírito daquela coisa que eu estava fazendo.

Eu estava viajando sim, mas não exatamente para curtir.

Estava viajando atrás de algo.

Estava viajando atrás de mim mesmo.


E foi assim, que começou a segunda jornada por aquele estado que deveria se chamar Gente Fina, mas que os burros deram o nome de Minas Gerais.


Tudo começa numa sexta feira a noite.Calor em São Paulo.Estou sentado em uma poltrona de plástico azul na Rodoviária do Tietê, em São Paulo.Pedi um suco de limão e comprei uma lembrança pra dar a alguém.

(Ela gostou da lembrança.)

Faltam 40 minutos pro ônibus sair.Eu olho em torno, como sempre.Lembro da última vez que estive aqui para a mesma ocasião, e de todas as lembranças que aquilo trouxe.Tempos difíceis, eram sim, tempos aonde os trovões assustavam homens feitos e, como dizia certa música, a maldade andava sempre aqui por perto.

Os tempos se foram, deixaram suas marcas em minha alma, em meus olhos atentos e em tudo que se movia ao meu redor.Um bispo está sentado do outro lado em uma cadeira.Vestes pesadas, o suor escorre sem qualquer cerimônia.Mais a frente, um casal de metaleiros.A direita, três pessoas da mesma família, acho.Pessoas passando, pra lá e pra cá.Dois caras carecas e fortes passam, cheio de tatuagens, me encarando.Porque será ? Ah é, eu também sou careca e tenho cara de mau.E acho que o fato de não bater até na mãe como eles fazem, me torna meio que uma escória.É, pode ser.Me preparo, e começo a andar em direção a plataforma.

(Outro problema de ser sonhador é que, você tem a maior intenção, planeja e tudo o mais, e na hora de executar, seu corpo fora de forma e a gravidade te fazem lembrar que as coisas não são tão fáceis assim.Acredito mesmo, sinceramente, que não havia charme algum em meu andar desengonçado com a mala pendendo do lado e a camisa xadrez desalinhada, sendo que, na minha visão, eu poderia muito bem me passar por um George Clooney em Amor sem Escalas.Mas ah, ele sabe sorrir, conversar e...enfim.Não vem ao caso, essa coisa de reclamar de si mesmo soa como fraqueza.)

Desço as escadas, e me deparo com a fila já em andamento.Levo a bagagem, tiro o headphone phillips acompanhado de mp4 pra fora, confiro bilhete, e entro no ônibus.Minha poltrona é a 15, mesmo número de anos de alguém que foi embora.Janela.O ônibus está vazio, mas as duas pessoas que entram depois de mim sentam logo atrás e na frente, respectivamente.

(Todas as pessoas tímidas e/ou antissociais que pegam transportes coletivos rezam para que o mesmo não encha nem que alguém barulhento/mau educado/estranho sente ao seu lado ou próximo.Continuem lendo, vão entender)


Após uns cinco minutos, o ônibus parte.Checo a altura do som pra ver se não vai incomodar ninguém, coloco no ouvido e sento.Sento, e não deito.Infelizmente, o cara da frente, que muito me lembrava o Pablo de Qual é a Música depois da aposentadoria, resolve deitar a poltrona no último.Cesta ! Meus pés não podem nem se mover no espaço restante, e não poderia mesmo.Poxa, quantas horas até BH mesmo ?

(Dez horas porque algum engenheiro projetou mal uma ponte e tiveram que interditar a rodovia ou as pessoas iriam cair lá de cima que nem Pica Pau nas cataratas do Niagara)

Tento relaxar, e depois de duas horas, consigo.Pego pesado no sono, e evito descer nas paradas.Após horas de viagem, chegamos em Minas.

Pego o primeiro ônibus pra Sete Lagoas, e depois de mais uma hora e vinte, chego lá.

Estou calmo, seguro e mesmo depois de tanta espera, sem ansiedade.Ligo pra ela, e ela está chegando.

Encosto na parede tijolos cor-de-merda, coloco a perna na parede estilo John Wayne, com a mala ao lado, e olho pro nada.

(Mais uma vez, devo ter ficado muito abaixo de qualquer coisa parecida com um velho-oeste).

E então, ela chega.

Sabe, existem coisas que sempre que ocorrem, não importa quantas vezes ocorreram, parece ser sempre a primeira vez.É assim com a emoção de um gol decisivo, um resultado positivo em uma prova classificatória, uma pequena vitória diária ou uma viagem sozinho.E, nesse caso, foi como se pela primeira vez, eu tivesse visto uma mulher muito, mas muito bonita.E não foi, mas assim senti, porque minha pose de Jonh Wayne virou garoto-do-colegial-que-o-pai-deixou-na-porta e eu soltei um oi tão fraco que parecia ter um enfisema.

E aí, algo realmente inédito nos novos tempos, ocorreu.

Eu me senti filhodaputamente tímido, inferior e sem assunto.

Não sei, mesmo, porque ocorreu.Mas era um sinal.Cruzei 900 km e conheci uma linda mulher, pra perceber que algo diferente ocorrera.

Uma vez que sou sonhador ao ponto de ser quase suicida, grandes coisas e pessoas nunca foram motivos de medo ou vergonha pra mim.Mas ali eu senti, como se tivesse virado um pseudopessimista.

E, no resto do dia, quando vimos as lagoas, convidamos a amiga dela para passear conosco e conversamos sobre coisas da vida, eu sempre estava daquele jeito, uma sensação de estar no lugar errado, na hora errada, fazendo a coisa errada e consumindo o tempo das garotas.

(A amiga dela é muito gente fina, e acho que nunca vi alguém se esforçar tanto para agradar a visita como a Nina se esforçou)

Sinceramente, gostei dos passeios, principalmente em ir ao lugar mais alto da cidade e andar pela trilha.Mas a sensação não ia embora.

E quando eu fui embora pra Lagoa Santa (com direito a ônibus quebrado no meio do mato escuro, e depois outro ônibus com discussão e briga policial no banco do meu lado), eu senti uma vontade forte demais de ligar, pedir desculpa e desaparecer.Sensação de falha.Sensação de "oi, você esperava mais de mim, e eu posso ser melhor, mas fiquei quieto e tornei o nosso esperado dia num encontro pé no saco."

Mas passado não se conserta.Foi isso que aprendi da última vez que visitei Minas.E não foram as montanhas que me disseram.

Em Lagoa Santa, tudo ocorreu muito bem.A família de minha amiga é sempre cordial e muito receptiva, e eu sempre fico de um jeito que se eu desse metade do dinheiro do mundo pra eles, ainda me sentiria em falta.

Vi uma vitória heróica de virada do meu time, vi tempestades, conversei sobre físicos e sociedades secretas.

E ao final de 48 horas, eu voltei.


E agora, a questão é : o QUÊ de mim, do que eu era, voltou ? Que peça nova no quebra cabeça é essa ? Porque aquela falha ocorreu ?


Eu não sei.Não ainda.

Mas o tempo corre, e as coisas mudam.

Espero não mudar o que não quero, nem ficar pra trás como já tenho ficado.




AD INFINITUM

3 comentários:

Nina disse...

Apesar da sua visão pessimista (lembra quando falamos sobre isso? rs), este sábado vai ficar na memória. Afinal, não é todo dia que conhecemos pessoas interessantes. =)
O melhor de tudo foi perceber que aquele sentimento bacana que existe pela internet pode existir pessoalmente, isso não é bom?!
Beijo!

Isadora disse...

Gostei muito do seu texto.. De certa maneira me encaixei naquilo que vc narrou..às vezes tenho a sensação de ser uma passageira vendo minha vida passar lá fora..Enquanto isso,espero uma mudança de ventos. Espero não retroceder. :D

putresco disse...

Por mim uma pessoa só viajaria para outro estado para me ver se fosse para afanar-me algum órgão.





Ah, esta "falha" quis dizer que você é humano. Goste ou não.




Um raro. seu caro leitor número