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sábado, 25 de dezembro de 2010

Uma nova luta para um novo homem


"There's an evil virus that's threatening mankind
Not state of the art, a serious state of the mind
The muggers, the backstabbers, the two faced elite
A menace to society, a social disease

Existe um vírus maléfico que está ameaçando a humanidade
Não é um estado da arte, mas um grave estado da mente
Os traiçoeiros, os que apunhalam por trás, a elite de duas faces
Um perigo para a sociedade, uma doença social"

Iron Maiden - Virus



Uma vez, me perguntei porque a AIDS não tinha cura definida.Descobri que é porque o vírus da AIDS se programa conforme o DNA de cada indivíduo.Portanto, seria preciso pesquisar a cura durante anos com muito dinheiro pra cada pessoa.

O vírus se altera conforme o necessário para que seu ritmo de destruição ocorra.Se você neutraliza A, ele ataca B.

Assim é com a gripe, também.Estamos sempre pegando gripe.Pois o vírus se altera tão rápido que o sistema imunológico não tem tempo de produzir os anticorpos corretos antes da infecção ocorrer.

Durante dez longos anos, minha família foi infectada pelo vírus do orgulho.

E eu, impactado, me coloquei afastado daqueles que viraram um perigo ao meu caminho.

E no dia de Natal, decidi que era hora de mostrar que fui covarde ao fugir, e que estava disposto a sair da casca.

Eu me sentia como um aviador da segunda guerra mundial que tentava superar um trauma num daqueles filmes ao melhor estilo Clint Eastwood.Os vizinhos pareciam hostis, o cenário parecia fustigante e a única pergunta que batia na minha cabeça desde a hora que eu tinha acordado era : quando irei abrir a boca e falar o que tenho pra falar ?

Talvez minha carranca me garantisse até um papel numa continuação esperada de Gran Torino.

O fato é que quando sentei no carro, ás cinco horas e dezessete minutos da tarde do dia vinte e quatro de dezembro de dois mil e dez, eu me senti como um encarregado de uma missão.Eu fiquei em silêncio observando as pessoas indo para as casas do parentes, e eu fiquei em silêncio vendo o sol se pôr aqui e nascendo em algum lugar da Austrália.

Aquele clima de fim de tarde só aumentava o teor do momento.

Levei minhas coisas, levei minha câmera.Eu queria registrar aquele momento.Não haveriam 500 mil pessoas me esperando na Praça da Sé para um discurso histórico.Haveriam 16 pessoas na casa da minha avó.Mas sim, o discurso seria histórico.

A primeira coisa que me preocupei em perceber foi o clima.As pessoas estavam abertas e descontraídas, mas nervosas nos gestos corporais.Meu tio estava atrasado com a família.

Após algum tempo (e seguidas reclamações devidamente contidas da minha avó sobre isso), meu tio chegou.Desci até a garagem para receber os mesmos, pois algo me dizia que tinha coisa errada.

O jeito com que as pessoas saíam do carro era evidente.Estavam sorrindo, mas pareciam sorrir mais por alívio de chegar ali do que pelo momento em si.

E meu tio estava notavelmente transtornado.

Ao me deparar com tal situação, me senti irritado, confesso.Aquela era MINHA noite, eu faria O DISCURSO, e depois de me certificar que as principais causas de brigas na família estavam neutralizadas, eu seria pego assim, de calças curtas por alguém rotineiramente pacífico ?

Conversando com ele, soube que a irritação e o mal humor se davam ao fato de que ele quis beber cerveja, e a família dentro do carro se opôs a isso durante toda a viagem.

É preciso explicar sobre isso leitor, por mais pessoal que seja.

Meu tio é orgulhoso.Todos nós, homens da família, somos de alguma forma.E ele tem um vício do passado.Chamado alcoolismo.Bebida é uma merda, é como o gatilho que falta pro nosso pior lado se soltar sem maiores delongas.Quem bebe não vira escória.Mas abre caminho para cometer atos que o tornem um.

Vício "legal" pior do que bebida, só cigarro.Mas não entrarei no mérito da questão.

Logo, ele não aceita bem a idéia de ter que ouvir as filhas e a mulher dando conselhos.

Isso seria de fácil resolução caso a questão não fosse tão grave.Como agir, em um caso aonde apenas um dos lados está correto, mas "atacar" o lado errado não irá resolver a questão ? Como achar um meio termo que agrade os dois lados ? Algum dos dois estaria aberto á conceder espaço ?

Se meu sonho era ser diplomata, eis ali um desafio dos bons.Um cubo mágico da vida privada, hell yeah.

Me esforçei em acalmar os ânimos puxando conversa e tirando fotos.De repente, ali, de forma automática, eu já não era mais um garoto preso.Eu estava me expondo para tentar apagar o fogo.Sem perceber, a timidez deu lugar ao senso de obrigação.Em alguns minutos havia falado mais do que em meses.

A guerra já havia começado, eu estava ganhando e nem havia percebido.

A vida não avisa com trombetas toda vez que vai se agitar.

A noite foi passando, e então, o ato final se fez anunciar.

Quando o relógio marcava apenas três minutos pra meia-noite, meu tio discutiu ásperamente com minha tia e minha prima na frente de todos.

Depois de toda a preparação, todas as pessoas se esforçando pra trazer o espírito de família de volta, faltando três minutos, aquela discussão imbecil por causa de bebida me fez querer gritar bem alto :

VAI TOMAR NO MEIO DO CÚ, PORRAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Eu não aceitava.Sim, eu era egoísta, e era com toda a razão ! Eu não ia aceitar, de forma alguma, mais uma derrota.A porrada era comigo agora.Se o mal inconsciente se achava capaz de derrubar a todos, ia descobrir que um ator até então coadjuvante estava voltando á cena.Iria descobrir que eu boto o capeta pra correr.Hell Yeah.

Quando deu meia noite, o que foi engraçado, eu pensei em já sair gritando e correndo pra agitar, mas minha irmã, que nem se dá tão bem comigo, foi que teve a iniciativa de começar abraçando.Estourei a garrafa (não consegui acertar o poste de iluminação.Merda.Hahah), brindamos, nos abraçamos e tiramos mais fotos.Então veio o amigo secreto.

Minha veia estava pulsando.Não havia medo.Se houvesse, estava sendo esmagado por um coração bombeando coragem.Tal como nunca, a timidez estava sendo surrada por um gigante que acordava furioso pelo que tinham feito ao seu redor.

Quando o gato sai, os ratos fazem a festa.Mas o gato estava de volta, e tinha virado um leão.

Fui o terceiro a ser sorteado.Minha amiga secreta me descreveu como alguém amoroso mas que deveria mostrar mais isso.

Hell, yeah.

Peguei o meu presente e mostrei mais do que isso.

Comecei a falar deixando bem claro que iria fazer um adendo.Houve silêncio.

Não houve câmeras, nem trovões, nem faixas estendidas.Mas havia eu, e havia a chance ali.E isso era tudo.Os heróis nascem em berços assim.

Falei sobre a questão da família ter sido meu exemplo na infância.Sobre como eu me decepcionei com eles.Sobre como eu estava muito puto por não haver tolerância entre eles.Sobre como era necessário renovação.Não só de pessoas, mas de idéias e atitudes.

Não foi um dos meus melhores textos.Eu escrevi muitos textos melhores.Mas foi o primeiro falado.E foi o mais importante, sem dúvida alguma.

Quando terminei, senti minha mão tremer mais do que um idoso com Alzheimer num terremoto de nove graus na escala Richter.Parecia que eu tinha aberto um mar no meio do Egito e passado o povo no meio.

Algumas pessoas se emocionaram, outras deram palavras de apoio, e outras simplesmente ficaram quietas olhando.

Ninguém se elevou pra protestar, reclamar.As pessoas simplesmente concordaram e gostaram.Parecia simplesmente que todos precisavam de uma palavra de ordem, de liderança, de alguém pra organizar, e tomar a frente.

Parecia que a revolta era um sentimento coletivo e que estava sendo usado para a auto-destruição.Eu reverti o fluxo dessa revolta.

Então, seguiram-se mais discursos inflamados e fortes sobre a importância da família.Ali, tive certeza de que eu tinha agido certo.Eu soube motivar as pessoas.Soube dar a volta por cima numa noite, e numa família, que tendia ao fim melancólico.

Quando meu tio foi falar, disse que tinha um coração duro e não sabia ter palavras bonitas.Foi solenemente ignorado.Mesmo com todo o calor que tentávamos passar, o orgulho parecia ter criado um muro de gelo ali.

O meu tio, o cara mais brincalhão e bem humorado durante anos de todos nós.Como se um alter-ego tivesse tomado conta.Como se o mal que havia me dominado e fora expurgado tivesse passado pra ele.

Quando aquela noite terminou, a sensação que me dava era aquela que eu sempre busquei : a de dever cumprido.De que tinha feito o que era pra ser feito.

Eu ainda não sei como resolver o problema da bebida.Nem como resolver a fome da África, nem a desigualdade social, nem as guerras do Oriente Médio.Mas eu estou no caminho, ainda que longo.

Eu dei um grande passo.E eu já posso ouvir os lamentos e palavras de desespero de quem há até pouco tempo atrás apostava as fichas no meu fracasso.Agora a casa caiu, amigo.Eu acordei.

Avante !





AD INFINITUM


1 comentários:

Bru disse...

Haha! Çumemo! :D
Nada como o sentimento de dever cumprido (e de brinde o apoio da família).

^^