• Twitter
  • Facebook
  • Instagram
  • Youtube

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Desert Eagle .50


"Antes de dar a dor, Deus dá a paciência." (Santa Teresa de Ávila)

Chovia.Muito.

Ele estava em uma rua larga, cheia de água enlameada.Havia um morro logo á frente.Nele, casas destruídas, mais água barrenta despencando, árvores estraçalhadas.

Estava correndo, ofegante, em direção ao mesmo.Uma mulher chorava sentada na calçada.Alguns corriam na mesma direção que ele, outros na contrária.O céu rugia com raiva.

Chegou ao pé do morro, e começou a cavar com as próprias mãos.Um grito abafado vinha debaixo dali.Por favor, me ajude.Por favor.Eu não quero morrer.Eu não quero...

O grito cessou.

Então mais vinte mãos se juntaram á dele.Todos cavaram, um pé surgiu.Seus dedos já estavam doloridos e as unhas sangrando.Ele continuou.

Em meio á toda aquela terra pesada, surgiu uma garota de idade aproximada á dele.Não parecia respirar.

Um bombeiro se aproximou, tentou fazer respiração, mas era só lama que saía.Levantou a cabeça em gesto negativo e parou de atender.

Ali estava alguém igual á ele, com sonhos, esperanças e cicatrizes.Morta por um monte de lama do morro.

Olhou em volta.Pessoas olhavam aterrorizadas, perdidas, agoniadas.Olhavam fixo para o corpo, e olhavam fixo para o morro.

Isso não é certo, não é certo.Isso não deveria ocorrer.

Não existe herói que destrua o inimigo invisível do descaso e da desigualdade social.

Uma música toca ao fundo.

She loves you, yeah, yeah, yeah, she loves you, yeah yeah yeah….

Ele acorda.É o celular tocando.Duas horas da manhã.Alguém do trabalho querendo tirar dúvidas.

A história da lama parecia ter sido mesmo só um pesadelo.Mas não era, não pra muitas outras pessoas lá fora.Enquanto a chuva caía e embala seu sono, também embalava muitas vidas pra algum destino indefinido.

E então, naqueles cinco minutos de lucidez, bateu uma tristeza.Uma tristeza extra.Além daquela que marcou o luto pelas vítimas.

Conhecia muito bem aquela sensação.Sensação de “eu te amo, mas não posso te ter”.Lembrou dela.Da voz bonita, do jeito extrovertido e dos olhos claros numa noite de verão.E de como aquilo havia se perdido da mesma forma que havia surgido.Rápido e fatal.Como uma bala de Desert Eagle .50.

E quem atira é sempre ele mesmo.

E a sensação é a mesma de 2009,2008, 2007, 2006, 2005...

E os mortos na chuva também.

Os anos passam, mas os erros continuam os mesmos.

A mudança já não é mais uma questão de opinião.É uma questão de vida ou morte.

Para os desabrigados, ou para ele, tanto faz.Nosso tempo acabou.É hora de agir.

Para quem quiser ajudar as vítimas das chuvas, esse link é bastante útil.


AD INFINITUM

0 comentários: