Existem heróis escondidos por aí.Fato um.
Tempo não é desculpa pra imaturidade.Fato dois.
Existem muitas pessoas irresponsáveis por aí, o que sobrecarrega e sacrifica esses heróis.Fato três.
Fiquei sabendo hoje.
Estavam em casa um garoto de oito anos, e mais dois irmãos, de cinco e três.
Após uma semana inteira de calor, choveu forte na sexta-feira.
Enquanto eu, na capital, me ensopava nessa chuva e tinha um dia relativamente cheio de desafios pessoais, na cidade de Santana de Parnaíba, a mãe dos garotos saiu pra comprar cerveja e cigarro.
E muito provavelmente quando eu, sujo, enchargado e envergonhado por estar naquele estado dentro da faculdade nova, fui gentil com uma garota que tinha sido ofendida por um aluno irritado, e me senti bem por isso, a casa dos garotos começou a pegar fogo.
Fogo.
Eu me sentia tão bem, mesmo num dia tão ruim.Ruim por coisas que não vem ao caso, porque o foco não sou eu.E me sentia bem porque superei o dia ruim e ainda ajudei alguém.Mesmo que “de leve”.
Mas ali, a trinta quilômetros dali, uma casa com três crianças pegava fogo.No mesmo instante, sob o mesmo céu negro e aberto, recém saído da tempestade.
E, se obviamente eu não poderia fazer nada, pela distância e falta de consciência do acontecimento, o garoto de oito anos fez.
Oito anos.
Que merda você fazia da vida com oito anos ?
Jogava Supernintendo ? Eu jogava.
Já tinha dois belos traumas psicológicos, tinha que ficar sozinho em casa ás vezes, mas sempre monitorado por vizinhos e com comida feita.
Porque meus pais eram e são bons pais.
Mas se a casa pegasse fogo com meus irmãos dentro, o que eu faria ?
Eu não sei.Eu não...sei.
Mas o garoto de oito anos fez.
Teve que tomar, por força da situação, a posição de líder.Teve que tomar uma decisão e pensar a saída em uma séria emergência.Coisa que faria muitos adultos desmaiarem de tensão.
Ou não foi no mesmo dia que eu vi as pessoas se espremendo e soltando pequenos gritos quando a chuva se aproximava do ponto de ônibus ?
E lá estava o garoto.O fogo se espalhou rápido.Só havia uma maldita porta.
Os irmãos mais novos apenas choravam assustados.
E ele ? Que provavelmente mal acabara de aprender a ler.
Ele se enfiou no fogo pra agarrar os outros dois.E levar um de cada vez pra fora da casa.
Fez isso, mesmo com todo o calor insuportável, a fumaça e a falta de vivência.Mesmo com braços pequenos e ainda frágeis.
Mesmo com uma mente que ainda provavelmente não havia se aberto aos mais normais sofrimentos desse mundo.
Ele salvou os dois.
E como preço, por isso, teve 70% do corpo queimado.
Sim, leitor.E isso não é coluna policial, nem programa da Sonia Abraão.
Nem fodendo.Isso é um blog de gente decente.
Isso é (mais um) herói lá fora, morrendo e pagando pela cagada dos outros.
Os bombeiros chegaram depois e só puderam correr com o garoto pro hospital de Itapevi, cidade vizinha.
Ele está na UTI.
E a mãe ? E o pai ?
O que importa os dois ?
Nada.
Não vale nada apedrejar os dois.Isso não vai trazer a casa e a saúde dele de volta.
“São crianças como você”, como já cantava Renato Russo.
Vão pagar o preço da consciência um dia.
Não sei o que fazer para ajudar o garoto.As crianças vão pro conselho tutelar.
Sinto vontade de falar com ele.Porque eu ADMIRO ele.
E se ele morrer, vou sentir como se um grande artista tivesse morrido.
Aquele artista que a gente não conheceu, não foi íntimo.Mas queria ter conhecido.Ou melhor.Queria ter sido igual.
AD INFINITUM
2 comentários:
Sabe uma pessoa que eu admiro? Você!!
Nossa, que forte isso. Engraçado como parece que tem gente que nasce com carater! Espero que esse menino sobreviva e jamais perca essa essência, porque é coisa rara.
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