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sábado, 26 de março de 2011

Tragédia



"A grande tragédia da vida não é que os homens morram, mas que parem de amar." (Somerset Maugham)



Um dia, você está numa cidade costeira.O sol brilha, é hora do almoço, você está voltando calmamente pro trabalho depois de comer com seus colegas.A garotinha no outro lado da rua lambe um sorvete, os senhores discutem na praça sobre futebol, a mulher alva e esbelta passa com um vestido esvoaçante e você pensa uma gracinha.

Então, o chão treme.Treme forte, você pula sem querer pular.As janelas se quebram, os alarmes disparam, a poeira cobre o sol e as conversas viram gritos.A calçada lisa se torna um amontoado rachado, e em um minuto e trinta segundos, a única idéia que passa na sua cabeça é : eu vou morrer.

Engraçado, pois a um segundo antes você pensava sobre as pernas da mulher.E aí, por aquele milésimo de segundo em que tudo a sua volta vai ruindo e se esvaindo, você se sente frágil no universo.De repente, você é só mais um...um nada.Como se toda sua individualidade, todos os seus sonhos, fossem agora só um mero detalhe de um mero ser de um mero lugar.

E então, um barulho vem do mar.Monstruoso, assustador.Mais gritos, mais movimento.Você vira seu pescoço e enxerga muito mais água do que você já viu em toda sua vida vindo na sua direção, carregando e arrancando o que vê pela frente.

Um filme passa pela sua cabeça.

Você deseja, por um momento, estar naquele lugar seguro das suas lembranças.Com seus pais na infância, com uma namorada no colégio.

E então seu coração dispara, suas pupilas dilatam e seu senso de perigo estoura.Você se vira e começa a correr.

Você sobrevive ou morre ?

Não se sabe.


Essa, provavelmente, foi a história de milhares de japoneses durante os acontecimentos desde 11 de Março de 2011, quando um terremoto com epicentro no mar causou destruição e morte ao projetar tsunamis e causar vazamentos nucleares.

E, nesses momentos, quando nos tornamos conscientes de como nossa existência terrena pode ser efêmera em seu fim, nos tornamos mais sensíveis, mais humanos.Ou mais sádicos.Depende da tendência de caráter de cada um.

A tragédia no Japão afetou milhões de pessoas emocionalmente.Houve quem chorasse, quem enviasse mensagens de esperança, os que comentaram dias no trabalho e os que até chegaram a culpar o governo, em supostas teorias conspiratórias que eu digo, são risíveis.

Houve também quem se chocou momentaneamente com a notícia e depois voltou á rotina.O que eu diria, é a melhor opção em certos casos.Quando não há o que se fazer, do que adianta ficar triste ? Apenas desejar uma melhora, é o que há.

Nossa relação com tragédias sempre foi assim.Um avião cai, 100 morrem, e outras 100 mil adquirem medo de voar, e outros 100 milhões de reais vão pra investigações governamentais e privadas sobre as causas do acidente e melhorias no processo.Uma tragédia natural devasta um país, e o primeiro pensamento é : "Aonde eu deveria estar para evitar uma morte assim ? O que deveria fazer se acontecesse ? Quantas pessoas morreram ? Já pensou se as pessoas que amo passassem por isso, como eu faria ? Oh, céus..."

As mortes trazem um senso de humanidade, e por isso, de humildade consequente.Todas as vezes que desprezamos, ignoramos ou julgamos deliberadamente alguém, fazemos isso por nos sentir superiores.A vaidade acaba com o ser humano.E as tragédias acabam com a vaidade, ainda que por um curto período de tempo.

Certo dia, quase passei por uma tragédia, ainda que em menor escala, conforme descrito neste post aqui.

A vontade que dá ? Primeiro : Tenho que tirar meu rabo daqui.Segunda : Onde estão meus amigos/familiares ? ?.
Terceira : Aonde eu estava com a cabeça de vir pra cá, se eu estivesse em outro lugar não estaria agora correndo e morrendo.

A primeira é automática.Temos uma espécie de sensor mental que verifica condições de perigo e nos coloca em estado de alerta.Se isso é feito de forma brusca, você vai se sentir como se tivesse levado uma martelada.Vai ficar sem direção e procurar o que fazer rapidamente.Resultado : desespero e gritaria.

A segunda é a nossa parte emocional.Em condições de dor, você procura o amor.Procura quem lhe propiciava sentimentos bons e segurança.E se preocupa em perder isso.

A terceira é a ridícula.A parte que julgamos a nós mesmos e a terceiros pela nossa possível morte acidental.

E, depois das três fases da pré-morte trágica, adicionada de um tempo, voltamos a vida normal.

E talvez essa seja a questão a ser levantada : Será mesmo que as tragédias não tem uma função natural e superior em nossos destinos ?

Questionar isso é interessante.

Envolve visão do que vem depois da morte, razões da vida, quem você é.

Talvez, ou quase certamente, era a hora daquelas pessoas irem embora.Provável, e arriscável, dizer que se fossemos da forma como somos nessas horas, o mundo seria um lugar melhor e mais colaborativo.

Na hora da enfermidade, encaramos nossa intimidade.

Por obséquio, talvez seja justo perguntar : Sempre reclamamos de nossa condição humana e passamos uma idéia de insatisfação com nossos defeitos, mas nos comportamos como deuses.Nos damos ao luxo de maltratar as oportunidades da vida e outras pessoas, como se fossemos imortais e pudessemos arrumar isso a hora que bem fosse.Não falo em punição pós-mortem.Falo no agora.Não há inferno pior que a consciência.E então, se tivessemos essa humildade de momento, proveniente das tragédias, o tempo todo, não seríamos humanos melhores ?

Não seriam esses eventos, como o terremoto, literalmente e sem ironia, chacoalhões em nossas vidas? Um despertador mais claro e evidente ?

"Carpe Diem".Porque ser o melhor amanhã ou só ás vezes se você pode ser sempre ?


Talvez essa seja a mensagem que o mundo, o universo, Deus ou sejá lá quem for, esteja querendo passar a nós.



Pensem nisso.







AD INFINITUM

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