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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Cavalo de Guerra



Diz a boa memória inglesa que durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) era mais fácil encontrar um bilhete premiado da loteria com uma boa mulher pra casar e um lote inteiro de whiskey envelhecido do que um bom cavalo puro sangue para montar no campo de batalha.

Embora fosse o berço da primeira revolução industrial, a Inglaterra ainda tinha, na grande maioria dos seus cavalos, os tipos voltados para o arado e para pequenas viagens de charrete.Em outras palavras, cavalos domesticados, mansos e sem traços de vida selvagem.

Cavalos puro sangue, indomáveis e selvagens, eram caros, trazidos de cantos remotos da África e Ásia (Oriente Médio). Alguns da emergente América do Norte. Eram expostos em torneios de beleza e vendidos a preço de ouro para colecionadores.

Eram raros - bem raros. Primeiro, pelo custo. Segundo, porque cavalos selvagens, e mesmo os nascidos em fazendas, tinham um gênio irrascível. Só se permitiam obedecer pessoas que conquistassem sua confiança - geralmente alguém que tinha a habilidade de fazer isso sem quebrar algumas boas costelas.

Não conheciam sinais de adestramento, status social ou roupas caras.

Corriam e relinchavam, erguiam as patas e viviam em torno apenas de sua liberdade.

Porém, quando a guerra estourou, a Inglaterra viu sua cavalaria (nesta época, onde mal haviam tanques decentes ainda, a cavalaria ainda era a elite de um exército) defasada. Os poucos warhorses (como eram definidos esta categoria de cavalos impetuosos) foram distribuídos entre os oficiais mais graduados e o exército iniciou uma campanha para comprar a preço baixo outros iguais.

No campo de batalha, eram animais vorazes.Corriam a plenos pulmões - dezenas de músculos perfeitos e organizados, como uma orquestra feita a mão por Deus, em direção ao inimigo - e por vezes, a morte.

Não refugavam diante de quase nada, nem mesmo dos estampidos de canhões. E quando um exército perdia, eram a mercadoria mais valiosa a ser tomada. Também denotavam uma lealdade notável a seus parceiros de montaria. E ao fim da guerra, não foram poucos os sobreviventes que guardavam lembranças emocionantes de seus animais.

Porém, o preconceito e a repulsa aos cavalos de guerra não acabou com a Primeira Guerra Mundial. Nem com a Segunda.

Pelo contrário. Ele se espalhou a outras raças. Sobretudo, aos próprios humanos.

Existem milhões de cavalos de arado por aí. Com seus empregos, seus sonhos médios, suas vidas mais ou menos felizes em suas propriedades.São importantes - isso é inegável.Merecem respeito - isso é inegável. Mas não são feitos para a guerra.Não são feitos para a liberdade.

Existem muitos outros cavalos de transporte - garbosos, educados e bem cuidados.E com um dom único para abaixar a cabeça.

Existem garanhões - que tem toda a pose de reprodutor, acumulam parceiras, mas não aguentariam um minuto em uma verdadeira luta.Músculos para exibição - não para bom uso. Não há tenacidade em seus olhos, não há o verdadeiro espírito selvagem em suas veias. Não há a corrida pela liberdade.

E existem os cavalos de guerra. Cavalos que conseguem ser úteis como os cavalos de arado, educados como os cavalos de transporte, orgulhosos como os garanhões.

Mas que só o aceitam - e são - quando lhes é compatível com seu espírito. Trabalham em seus trabalhos e respeitam seus chefes - mas não hesitam em desafiar uma atitude que vá contra seus valores. Não são submissos como os cavalos de arado - mas trabalham até melhor. Não são socialmente admirados como os cavalos de transporte - mas podem ir mais longe do que qualquer cavalo desses jamais irá. Nem são populares como os garanhões. Mas nem mesmo mil filhos desta espécie deixarão um legado como um cavalo de guerra pode deixar.

E é quando é necessário alguém que faça a diferença, alguém que lute, que levante sobre as patas, que corra mais rápido que o vento e se atreva a vencer o inexpugnável, não são os cavalos legais que são chamados. São os cavalos de guerra.

Quando você está com um problema e precisa mesmo de ajuda, não são aos cavalos sociais que você deposita sua confiança. São aos cavalos de guerra.

Quando algo errado ocorre e todos tem vontade de protestar, mas ninguém o faz, são os cavalos de guerra que arriscam sua segurança - seja ela financeira ou física - tomando a frente e dizendo o que todos deveriam dizer.

Você pode querer um cavalo de arado pra trabalhar como seu empregado, um cavalo de transporte pra ser seu amigo, um garanhão pra ser seu namorado. Mas quando as armas do destino estiverem apontadas para sua cabeça e você perder o chão, nenhum dos três vai te salvar.

E afinal, ter um amigo cavalo de guerra deve ser terrível. Você sabe que ele é único - mas se sente mal de ter só ele por perto. Parece...pesado, talvez. Algo na consciência. Você gostaria de ter um empregado cavalo de guerra. Mas faria de tudo pra podar sua liberdade e seu espírito, só o libertando pra quando precisasse de sua força incomparável. Você não gostaria de ter um parceiro cavalo de guerra.Eles não suportam grilhões e correm tão rápido que você se incomodaria de viver pelos campos do destino na velocidade que eles vivem. Você não aguentaria. Você iria preferir um garanhão que lhe dê patadas ou um cavalo de arado submisso para lhe obedecer.

Por isso, o tempo todo, cavalos de guerra sofrem. Tentam ser, por um minuto, aceitáveis. Se questionam, ás  vezes, se não estão sendo duros demais, fortes demais, impetuosos demais. Livres demais.

Mas basta um pouco da realidade e eles entendem que não.

É sua natureza.É seu instinto. É seu destino.

Cavalos de guerra nasceram apenas para uma única coisa : guerras.

Não estão aqui para serem bonitos, agradáveis ou legais.

Estão aqui para lutar por algo.Para vencer ou morrer. Para mudar aquilo que você chama de mundo.

Critique, faça piada, exclua, ignore, se sinta desconfortável.

Eles estarão lá.De cabeças erguidas, com fúria nos olhos, um coração grande e rápido, correndo pelas linhas da História. Mudando, brigando, crescendo. Fazendo aquilo que cavalos pequenos nunca farão.

E não há nada que você possa fazer a respeito disso.


"Muitos são os homens que falam de liberdade, mas poucos são os que não passam a vida construindo amarras para suas próprias almas"

Gustave Le Bon

3 comentários:

Anônimo disse...

"Você não gostaria de ter um parceiro cavalo de guerra.Eles não suportam grilhões e correm tão rápido que você se incomodaria de viver pelos campos do destino na velocidade que eles vivem. Você não aguentaria."


Liberdade é sofrimento.
As pessoas não entendem e talvez nunca irão entender o que é a necessidade de ser livre e correr contra o vento.

Apenas guerreiros podem viver como tal.

Oissac disse...

Não sei dizer com precisão quem a minha volta é um cavalo de guerra, mas mas com certeza é muito difícil pra mim te alcançar.
Sinceramente não me vejo guerreando, lutando a todo custo por minha liberdade, mas sim dando suporte a quem for corajoso a tal ponto.
Talvez eu não esteja ao seu lado na batalha, mas com certeza estarei logo atrás de você.
Parabéns pelo post cara, ótimo mesmo!!!!

Anônimo disse...

"Pra me aquecer mate quente,
Pra me esfriar geada fria.
Não vai ficar pra semente
Quem nasceu pra ventania."

Leopoldo Rassier