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segunda-feira, 9 de julho de 2012

O Céu e o Inferno









"Não há outro inferno para o homem senão a maldade ou a estupidez, sua e a de seus semelhantes"
Marquês de Sade



"Está quente.

O sol está alto no céu, sem nuvens em sua frente. O asfalto é batido de terra. O centro da cidade é cortado por uma única avenida, longa e sem curvas, com todas as ruas partindo dela. Pessoas jogam dominó, sem camisa, em bancos embaixo de árvores.

Carros passam vez ou outra, com uma bicicleta como concorrente.

A única coisa que a rodoviária tinha era uma máquina de bebidas.

Nada como uma cidade pequena, pensou consigo mesmo.

Ouviu alguém lhe chamar pelo nome e se virou. Ela vinha sorrindo, com seus pais.

O pai tinha o rosto marcado pelo sol, se vestia simples, com uma camisa de futebol do time da cidade. A mãe parecia tímida, mas sorridente. Vinha com os braços cruzados olhando pra baixo.

E ela estava lá, com aquela roupa de quem se fica em casa, mas inacreditavelmente linda como sempre parecia aos seus olhos.

O amor fazia isso com as pessoas.

Lhe deram um longo abraço, cada um, e ele se sentiu espetacularmente feliz por aquilo.

A quanto tempo eu não me sentia assim ?


Começaram a andar pelas ruas, e volta e meia, alguém os cumprimentava.

Sou um estranho, mas as pessoas me dizem boa tarde e sorriem para mim ainda assim. Porquê essa sensação de estar em outro planeta ?


Uma brisa mais forte veio por entre as árvores, e ele sentiu o cheiro de hortelã. Um cachorro vira lata, malhado preto e branco, gostou do cheiro do seu tênis, e passou a segui-lo também.

Nos primeiros instantes, se preocupara muito em ser simpático com eles. Mas a preocupação logo deixou de existir, porque era muito fácil ser simpático ali. As pessoas eram tão educadas e acolhedoras, que se fechar era praticamente impossível.

As casas eram simples, com muros de tijolos que mal haviam acabado de serem pintados, mas todas organizadas e naturalmente familiares.

Não havia um prédio sequer na cidade. Apenas casas e postes, árvores e cães.

E pessoas. Pessoas gentis e simples.

Chegaram na casa da família. Duas crianças jogavam bola, entretidas com o esporte bretão, e não deram importância pra chegada. Ele sorriu mesmo assim. Adorava futebol. E crianças jogando bola era algo muito mais bonito de se ver do que algumas crianças faziam no lugar daonde viera.

Uma garota que aparentava ter quinze anos estava sentada na cadeira de balanço lendo um livro. Apresentaram-na como prima. Ganhou um novo abraço, e então entrou na casa. Havia uma senhora sentada fazendo tricô em uma grande poltrona sob a janela.

"VÓ !", gritou a garota que fazia seu coração bater mais rápido.

A avó a abraçou fraternalmente - as pessoas aparentemente gostavam mesmo de abraços naquele lugar, e ele entendia a razão - e então se virou para ele.

O sorriso o lembrava escandalosamente da própria avó.

A quanto tempo eu não vejo a minha avó ?, foi a pergunta que lhe veio na cabeça.

A senhora lhe deu o abraço mais prolongado e confortável de todos. Disse que estava muito feliz pela escolha da neta.

Escolha ?


A garota-que-o-deixava-feliz então pegou sua mão, e o levou para o fundo da casa. Haviam dois balanços lá, em duas árvores.

Ela sentou em um e o puxou para o outro. Olhou no fundo dos seus olhos e abriu um sorriso.

- É muito bom ter você aqui.

E então o beijou.

Seu coração esquentou e acelerou tanto que parecia explodir. Todos os músculos relaxaram, e o rosto que beijava foi o rosto que se abriu no sorriso mais largo que ele dera na vida.

Então a luz do sol começou a aumentar, e a aumentar, e a aumentar...tentou segurar na mão dela, e então, para sua surpresa, ela colocou as duas mãos sobre as dele, como alguém que se despede, e disse :

- Vai. Você tem que voltar.

Houve então o barulho, o velho barulho de um metrô entrando no túnel, e em uma fração de segundos ele acordou.

Estava em sua cama, em sua casa, na cidade grande, de prédios, poucas árvores e nenhum abraço.

E sem ela.

Fora tudo um sonho."

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Você sabe que sua vida está ficando difícil de levar quando o seu único sorriso verdadeiro nos últimos...10 ? 20 ? 30 dias !... foi por causa de um sonho.

Sempre falaram que o inferno é um lugar horrível. Que o paraíso é um lugar perfeito.

Você imagina o céu com anjos assexuados tocando harpa entre nuvens com luzes de led e olhando eternamente pra cara de Jesus ?

O inferno como um lugar aonde o fogo arde eternamente, com seres extremamente feios cheio das armas de tortura te ferindo em caldeirões de sopa ?

Ah, não mesmo.

Eu me senti no paraíso. E lá não havia muros de ouro, cantos gregorianos no radinho de pilha ou pétalas de rosa no chão do banheiro.

Haviam pessoas. Pessoas simples, tranquilas e... calorosas.

Não havia facebook, carros de polícia, transporte público lotado, doenças ou cartazes de vereadores.

Não havia gente mal humorada, fazendo intrigas ou tocando funk com garotas de 13 de shortinhos olhando caras empinando motos.

Não havia viciados nas ruas, animais maltratados, poluição no ar ou shopping center.

Apenas pessoas. As pessoas mais legais e fáceis de se gostar que ele já vira na vida.

E ele nunca sentira tanta vontade de ficar em um lugar como sentira ali.

A vida fora do sonho era pesada.

Tudo parecia hostil.

Pegar o metrô significava trombar ou ser pisado quatro ou cinco vezes no dia. As pessoas nos vagões olham pra baixo, pros lados, pros celulares. Ficam sérias, não sorriem, não conversam, não exprimem sensações além do luto coletivo. E o medo enrustido do outro tão perto de você.

Vai me empurrar quando abrir a porta ? Vai ficar na minha frente quando eu for descer ? Vai sentar no lugar vago antes do idoso ? Estou preocupado se vou chegar logo no trabalho, o metrô poderia ter menos pessoas, assim eu não teria que aguentar isso todo dia.


Hostil.

Aqui, ele se sentia mal até por coisas menores. Ás vezes, alguém o excluía do facebook sem qualquer explicação. Alguém que um dia rira com ele, vira ele, abraçara ele.

Uma maldita rede social que significa o status de alguém em sua vida. Te excluí, logo, por algum motivo, não gosto mais de você e quero que você se foda.


Hostil.

Até as amizades eram complicadas. Marcar encontros exigiam engenharia temporal e de trânsito. Ás vezes, alguns amigos não gostavam de misturar outros amigos. E ninguém entendia muito bem o porquê.

Você entrava na lista de personas non gratas sem nem ao menos ter falado um dia, bom dia, para o cara. No sonho, as pessoas sorriam sem te conhecer. Aqui, elas te rejeitavam sem te conhecer.

E eu sempre achei que a lógica fosse ter mais amigos. Amigo do meu amigo, é meu amigo também. Amigo é sempre bom. Quanto mais melhor.

Não no mundo acordado.Aqui, as pessoas pensam que amigo é commodity. É recurso natural que precisa ser protegido e tem alto valor em qualquer estação. Se alguém se aproxima muito dos seus amigos, não é seu amigo também, é alguém querendo roubar a atenção deles de você. Essa é a lógica.

Hostil.

E as famílias já não se mantêm facilmente. Sabe que tudo está errado quando as reuniões familiares viram obrigação, e não uma motivação. Quando o "é amanhã !" vira "...é amanhã, então."

Quando você fica semanas sem ter contato com as pessoas que ama tanto, e ainda assim, a saudade é suportável. E o telefone intocável. E o frio da cidade parece melhor que o calor das discussões sem sentido e cheias de orgulho e vaidade, discussões que estraçalham, destroem, aniquilam todas as gerações da família que se esforçaram para construir algo baseado em respeito e amor fraterno.

Hostil.

E quando você pensa em ter alguém especial como no sonho, é melhor não pensar no seu retrospecto. Melhor não pensar em como sacou logo cedo que era muito fácil transar com alguém, mas muito difícil ter alguém pra dizer e ouvir sinceramente um eu te amo. Percebe logo que trocaria todas as pessoas que você teve um caso sem sentido no último ano por quinze minutos daquele mesmo sonho, aonde você poderia abraçar outro alguém e sentir que poderia morrer feliz assim.

Não aqui. Aqui a exigência é alta, e o preço é impagável. As pessoas cobram cada vez mais perfeição uma das outras, e o resultado é que cada um se fode tanto pra isso, que acaba nunca mais aceitando alguém que lhe pareça inferior.


A solidão é tão insuportável quanto estar em um relacionamento sério. Você não tem escolha. Nem um balanço pra sentar e olhar o céu azul.

Tem redes sociais para espiar, alianças para controlar, ciúmes para disseminar, medo de perder, medo, medo, medo, medo.

Vou ficar sozinho, eu estou sozinho, vou morrer sozinho. Eu vou me sacrificar por você e por todas as pessoas narcisistas porquê não posso ficar sozinho. Vou sacrificar minha própria estima.


E quando você percebe isso, o desespero é inigualável. Sendo jovem é difícil escrever uma história a dois, sendo velho será fácil ? E quando meu rosto não for mais liso ? E quando eu não aguentar mais correr meia hora ? E quando eu precisar de alguém comigo no hospital ?

Sexo a qualquer hora, afeto a qualquer século.

Hostil.

E você acessa o Youtube e assiste pessoas atirando uma nas outras em algum lugar do mundo. Acessa um portal de notícias e enxerga corrupção em todo lugar.

Hostil.

E eu vi, com meus próprios olhos, três suicídios, e fiquei sabendo de tantos outros. As pessoas estão preferindo pular de prédios ou se enforcar em salas solitárias do que conviver com outras por mais um dia.

As mesmas pessoas que poderiam estar num lugar como aquele sonho. Sendo felizes.

Hostil.HOSTIL.HOSTIL.HOSTIL.


Eu vi o paraíso. Eu estive lá.

E posso lhes dizer : O inferno é aqui.

Não há outro sentido na vida do que tentar chegar no paraíso. Ter uma família amorosa, amigos leais, um amor histórico e uma sociedade fraterna. É verdade. É isso a felicidade.

Bem aventurado aquele que tem a quem amar, e que é amado. Pois dele é o reino dos céus. É o que diz o velho livro sagrado dos cristãos.

Quão bem aventurado você tem sido ?

O dia do juízo final é hoje. E amanhã. E depois de amanhã. Todos os dias podemos melhorar e salvar um pedaço do mundo.

E um dia, o sonho vai ser realidade.



AD INFINITUM

3 comentários:

Carol disse...

Eu bem poderia descrever todos os sentimentos que borbulharam percorrendo minhas veias enquanto lia essa tua postagem, sobretudo a parte final dela.
Mas a questão, Diego, é que isso tudo foi fascinante. Se aproximou do surreal.
Tive a intensa sensação de estar lendo a conversão dos meus pensamentos rotineiros, tão subjetivos e tão aparentemente ímpares, em palavras.
Mas em palavras MUITÍSSIMO bem selecionadas e até mesmo repletas de esperteza -- porque essa é a única explicação plausível para esse ponto de vista em um mundo tão capcioso.
Essa sua página mais se aproxima de uma utopia. E eu não me canso de lê-la.
Você é mesmo brilhante.

Carinho,
Carol
www.sonhosdescritos.blogspot.com

Roberto Codax disse...

Sem palavras para expressar minha admiração por teu belo escrito. Teu texto expressa claramente a tortura que é viver atualmente, a angústia de entregar-se a um relacionamento que por fim não dará certo. Também escrevo. Faço poesias, crônicas, contos e estou trabalhando em um romance. Caso tenha interesse poderíamos fazer uma parceria de blogs. O meu é do Wordpress, mas irei criar um pelo blogspot.

Oissac disse...

"E um dia, o sonho vai ser realidade."
Assim esperamos.

Ótimos post irmão !!!!

Um dia todos nós estaremos vivendo este sonho, e espero poder te encontrar nele! =-)