"Tomei consciência de que, a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes, mas os contrariados."
(Gabriel García Marquéz)
"Dizem que os fins de tarde eram os períodos favoritos dos homens da Escola de Sócrates para morrer. A calma e a beleza que os céus transmitiam nestes momentos eram ideais para que um bom homem tivesse uma boa morte, serena e racionalmente, como era do costume daqueles, aceitável.
Não foi o que sentiu quando encostou naquela grade, sentindo o suor escorrer pela testa e a boca rachando com o calor que havia feito em São Paulo.
Ficou ali, com a camisa xadrez esvoaçando no vento que anunciava o pôr-do-sol, a camisa preta colada ao corpo, o livro na mão direita e o óculos escuros na mão esquerda, enquanto a árvore na esquina fazia um leve ruído de folhas caindo.
Folhas caindo.
Devia ter passado cerca de uma hora, talvez, parado, olhando para o horizonte, atrás dos prédios enormes das corporações da avenida dos Matarazzo e das chaminés das fábricas do começo do século XX.
E teria passado outras vinte e quatro, quarenta e oito, trecentos e cinquenta horas assim.
Não havia um único motivo pelo qual sentia vontade de voltar a se mover. Voltar a existir. Voltar a lutar. A tentar vencer em algo. Não, não.
No final, elas o haviam derrotado.
Estava jogando a toalha por conta delas.
Pessoas."
Uma vez, vendo televisão, vi um maratonista italiano desabar faltando poucos metros para acabar a prova. Estava em primeiro, mas uma lesão terrível o havia acometido devido ao desgaste.
Ao ser entrevistado, respondeu, ás lágrimas, que "o corpo não conseguiu responder á vontade de vencer".
Fiquei penalizado. Sempre fico quando, ao meu ver, alguém merece ganhar e não ganha. Você aprende desde cedo que deve obedecer leis que regem a justiça da sociedade, que papai do céu existe e que o melhor sempre vence.
É sempre um choque quando algo injusto lhe ocorre. Não é como aquela vez que você descobriu que os ovos de chocolate em Abril não haviam sido trazidos por um coelho mutante de dois metros muito bacana e simpático, e sim, pelos seus pais do supermercado.
É mais como aquelas (todas) as vezes em que você percebe que a justiça não é uma constante neste mundo. E você não consegue se recuperar nunca disso.
Não, não é como na escolinha, aonde você chegava todo estufado e falava para alguém (de preferência o mais bonzinho, pois bonzinhos desde cedo são os melhores alvos) : PAPAI NOEL NÃO EXISTE, EU DESCOBRI QUE É MEU PAI QUE ENTREGA O PRESENTE DE VOCÊS.
Não. Quando algo injusto acontece (preferencialmente a você, não te culpo se você cagar e andar para as mazelas do planeta), você fica puto, depois recluso, depois amargurado, depois chora (sim, homens também estão inclusos nesse passo) e depois se torna um pouco mais ressabiado com seja lá o que for que tenha te deixado de cabeça inchada.
Então as injustiças vão se acumulando. Seu time joga melhor e perde, seu trabalho demora pra ser reconhecido, o transporte público é uma merda, você consegue arranjar uma entrevista com o ET de Varginha e um filme lado B com o Maguila, mas não consegue a PORRA DE UM RELACIONAMENTO AMOROSO SÉRIO, muitas pessoas que se precisassem de você lhe dariam o número da conta te ignoram em outras condições, sua família acaba te dando no saco, seus amigos acabam sumindo em momentos delicados, a pomba desgraçada cagou no capô do seu Corsa 96, etc, etc, etc...
E aí, de pouco em pouco, você joga a toalha.
Desiste, foda-se essa merda, vai virar político, homem da placa do vende-se ouro, assistente de palco, coveiro plantonista. Sempre quis enterrar a sogra, mesmo.
E quando essa parte do bom humor passar, que nada mais é do que o último suspiro da sua inteligência tentando NEGAR que sua vida está miseravelmente limitada e você não consegue mais fazer nada de relevante, e o quê a dois anos atrás você fazia com algum esforço hoje você faz dez vezes mais força e não consegue nem começar, aí, bem, você vai entender porque é difícil ser adulto neste mundo.
Assimilar que não há justiça é a pior parte, sempre.
Primeiro, porquê isso vai contra seus valores, caso você tenha sido educado por boas pessoas. (E não por aquela mesma família que educa rapazes tocando funk alto durante a madrugada em carros irregulares. Não citarei a qual classe profissional pertencem as mulheres destas famílias.)
Segundo, a sua motivação vira lenda. Se me esforçar e ser o melhor não vai me trazer os melhores resultados, então...que merda eu estou fazendo aqui ?
E terceiro, conviver com pessoas se torna um teste cristão de última dificuldade. Manja aquela coisa, dar sem esperar receber, amar os outros como a si mesmo, blá blá blá ? Se você não pensar assim, você vai pular da ponte, dar um tiro na cabeça, se jogar na linha do metrô. E não estou brincando.
O fato é que, quanto mais o tempo passa, mais a criança em você vai morrendo e dando lugar a algo não tão bonito e inocente assim.
Talvez, seja por isso que eu fique cada vez mais emocionado e feliz (sim, feliz. Ainda consigo, em alguns momentos memoráveis) quando vejo uma BOA pessoa fazendo algo BOM para alguém.
É uma esperança. Algo como "se ele chegou até aí com algo de benigno dentro dele, então eu também posso chegar.". Talvez eu não precise jogar a toalha sobre o que sou, sobre o que as pessoas são, sobre o que o futuro é.
Não sei deixar nas mãos de Deus. Ele sabe disso, deve saber.
É por isso que não aceito nem vou aceitar as coisas erradas que acontecem por aí, na minha vida e na vida de muita gente. Não consigo, é uma trava aqui dentro, é parte de mim. Não desce.
Ainda idealizo, sim, uma sociedade melhor, uma distribuição mais justa, pessoas mais educadas, menos EGOísmo, menos facebook e mais abraço, menos muros entre nós.
Imagino conseguir sentar com alguém numa tarde e não ter que me preocupar com nada além daquele momento.
Isso é surreal, longe do que nós somos agora, do que nós temos.
E isso faz de mim infeliz, oh sim, não me lembro do meu último sorriso sincero.
Tipo aquele natal que o seu PAI QUE ENTREGA PRESENTES NA CASA DE TODO MUNDO E VOCÊ DESCOBRIU E CONTOU PRA TODAS AS PESSOAS DA SUA ESCOLA não conseguiu comprar o presente a tempo e você encontrou a árvore vazia na manhã do dia 25.
E no final, isso é bom.
A infelicidade é a chave da melhora. No momento em que isso se tornar insuportável, em mim, em você, em todos nós...então estaremos prontos para melhorar enquanto humanidade.
"Então, quando já estava escurecendo, uma criança passou correndo e abraçou o pai que esperava na outra calçada.
Ele a pegou e girou no ar, e ela sorriu lindamente durante vários segundos sem parar.
Então ele desencostou da grade, com a mesma camisa xadrez e o olhar cansado.
Mas agora, ele havia se lembrado porquê tinha que voltar a se mover. Voltar a existir. Voltar a lutar. A tentar vencer em algo. Sim, sim !
Pessoas."
AD INFINITUM.
1 comentários:
Ótimo post cara.
Comovente e inspirador...
=-)
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