O terraço do
hotel ficava de frente pra 23 de Maio. Atrás do Obelisco do Ibirapuera, o sol
começava a se deitar lentamente, inaugurando o fim de tarde e pintando o céu em
quatro ou cinco cores diferentes.
Ele estava
encostado no balcão, de frente pra vista. Tomava uma Heineken gelada e as gotas
caiam vez ou outra na manga da camisa. Estava na terceira garrafa e aborrecido
por desenvolver uma maior tolerância ao álcool.
“Bons tempos
de ficar louco com uma latinha de Skol”, pensou ele. Por um bom tempo, ele
provavelmente foi o bêbado de melhor custo-benefício da cidade.
Ela chegou
silenciosa, com aquele case guardando seu tão amado violino. O vestido preto
parecia cair perfeitamente nos cento e cinquenta e seis centímetros de altura,
e o cabelo preto caía caprichosamente do lado esquerdo do rosto.
Abriu um
sorriso e o beijou no rosto.
- Olá.
- Olá. Ótima
tarde pra se atrasar.
Ela riu.
- Desculpe.
Não sei andar em SP.
- Ninguém
sabe. Cerveja ?
- Água. Obrigada.
O garçom foi
acionado e rapidamente trouxe o líquido sem graça.
O terraço
sempre enchia naquela hora, não porque muitas pessoas gostassem de apreciar o
pôr-do-sol (que imbecil não gostaria de ver o pôr-do-sol ? Um montão de
pessoas, ao que parecia), mas porque fumar no fim de tarde era um ritual
sagrado na civilização paulista.
- Tenho algo
pra te falar, Di.
- Não tenho
câncer.
Ela riu de
novo, mas dessa vez estendendo a mão direita. Havia uma aliança direita
gigantesca ali.
Houve um
silêncio sepulcral no lugar de “OH-SIM-PARABÉNS-VAMOS-DAR-OS-PARABÉNS-PRA-ESSA-GAROTA-QUE-IRÁ-SE-CASAR-TER-FILHOS-E-ASSISTIR-TALK-SHOW-AOS-DOMINGOS”.
- Eu esperava
um sorriso, ao menos.
- Perdão. Fase
difícil. Não consigo mais notar a diferença entre as pessoas que anunciam
casamento pra mim na quinta e na sexta.
Ela não
sorriu. Ele não esperava que sorrisse. Havia algo de muito puto e surpreso no
ar.
São Paulo,
afinal.
- Eu tô
feliz. Tô preparada pra isso e nós damos muito certo.
- Ya.
- Desculpe
importunar.
Ela foi se
levantar e sair da mesa, mas ele segurou sua mão. Não a que tinha a aliança.
Essa coisa de casamento poderia contaminar.
- Falando
sério, desculpe. Não quis parecer grosso. Realmente me pegou de calças curtas.
Houve um
momento de hesitação, e então as coisas retornaram ao lugar – a garota, o
violino, a calmaria.
- Espero que
tu seja feliz. E todas as coisas que as pessoas desejam.
- Você acha
que tô cometendo um erro ?
- Você é
muito nova.
- Você sempre
me disse que tempo é relativo.
- Disse. E
digo. Mas essa regra não vale pras minhas desculpas.
- Eu só acho
que...eu quero. Sabe ? Ele me completa. A única coisa que me amedronta é o peso
social que isso implica.
- Sei como
você se sente. Uma vez meus pais descobriram que transei com uma namorada lá em
casa, durante a ausência deles, e olha, quem disse que homem não sente pressão
social por sua vida afetiva, não esteve na mira do chinelo Rider da minha
mãe...
- Não ! É
sério. Eu só tenho medo de não conseguir lidar com tudo que o casamento envolve
assim, de uma vez só.
- Sabe o que
eu acho ?
- Vim aqui
pra isso.
- Tu deveria
viajar o mundo. Chapar. Fazer merda á torto e á direito. Sofrer, sorrir, conhecer
o desconhecido, e só depois pensar em ficar grudada ad eternum em um par de calças.
- Não quero.
Porquê ele é único, e posso rodar o
mundo e chapar toda a cocaína que tem por aí que não vou encontrar alguém assim
de novo.
Ali houve um
hiato. Porquê sempre havia uma convicção muito grande no que ele falava, mas
quando o assunto era “pessoas insubstituíveis”, algo muito sério e atormentador
ocorria nos porões daquele cara, e toda sua auto confiança perante a vida
virava choro de criança no comercial de Neston.
Ela estava
certa naquele ponto, e tinha conseguido dar nele algo que ele sempre dava nos
outros :
Xeque-mate.
-
Bom...eu...sim. Pessoas são únicas. Mas você pode achar outro alguém único que
seja igualmente compatível contigo. Ou até mais.
- Di...eu não
quero outro.
- Entendo.
O sol se pôs
de vez, e toda a força que ele tinha nos minutos anteriores em provar que a
vida independente e solteira era melhor do que viver com alguém se pôs também,
provavelmente atrás do último gole de Heineken. Falar sobre o coração era falar
sobre seu ponto fraco. Não poderiam discutir sobre Economia ?
Era melhor, oh sim, Deus sabe que é.
- Saca só,
Spalla. Acho que tu é uma guria especial, e as pessoas tão perdidas, cada vez
mais. Não perdidas no sentido religioso ou moralista, mas perdidas em nem
saberem quem são ou o que querem. Sofrem o tempo todo e cavam a própria cova o
tempo todo. Vivem na porra do piloto automático das tendências sociais e mal conseguem
distinguir o que é delas e o que é dos outros. As relações hoje em dia são uma
merda, traição e superficialidade pra todo lado e se tu, enquanto homem, o que
não é seu caso, demonstrar fraqueza ou dependência, BANG ! É fim da linha,
irmão. Se for mulher e der bandeira na relação ? BANG ! Fim da linha, gatinha.
Ele parou,
pediu mais uma cerveja, e continuou :
- Mas...eu
não vejo isso em você.
Ela parecia
confusa. Dividida entre estar feliz e estar assustada. É, ele sempre fazia isso.
- Tu sabe
quem é. Sabe suas convicções. Conhece seu coração e conhece seus deuses. Se tu
me diz que tu ama ele, e essa é sua decisão...eu não tenho nada pra argumentar
contra. Você não é mais uma na multidão. Suas decisões também não serão.
Mais um
silêncio. Ele ia pegar a nova garrafa, quando ela abriu um sorriso enorme e
pulou no pescoço dele, dizendo em alto e bom som “Você é incrível, Di ! E eu te adoro !”
(Porque ? Ele queria terminar aquele discurso no melhor estilo Clint Eastwood,
e ela transformou aquele final numa comédia romântica no qual ele parecia o
amigo coadjuvante que salva a porra toda. Ok. Ele perdoava.)
- Você merece
alguém especial, guri.
Ouch. Poderia dormir sem essa.
- Você
também. Vai lá, garota. Sem medo.
- Sem medo !
Eu tenho que ir pro trabalho agora...a gente se fala, ok ?
- Aham.
- Obrigada
pelas palavras. Mesmo.
(Outro abraço
longo e apertado).
- You’re
welcome.
Ela se foi,
com as portas do elevador se fechando logo atrás.
Ele se virou,
fitou as estrelas que começavam a aparecer.
Só mais uma
noite na qual a companhia pra vida toda ainda seria a cerveja e o blues tocando
no fundo. Mas ao menos, havia um novo olhar brilhando na selva de pedra. Era
bom ter feito parte disso.
Levantou a
garrafa, brindou o espaço vazio da noite e disse baixo :
- Á
eternidade. Pra todos nós.
AD INFINITUMN
2 comentários:
Oi Diego tudo bem?
Que estória legal. Bem palpável, dá até a impressão de que ela aconteceu de fato. E se de fato foi real, espero que ela seja feliz e que ele não tenha a penas mais noites regadas a cerveja e jazz.
Abraços,
Amanda Almeida
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