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terça-feira, 15 de julho de 2014

Entre uma cerveja e um blues sempre rola uma boa história.





O terraço do hotel ficava de frente pra 23 de Maio. Atrás do Obelisco do Ibirapuera, o sol começava a se deitar lentamente, inaugurando o fim de tarde e pintando o céu em quatro ou cinco cores diferentes.

Ele estava encostado no balcão, de frente pra vista. Tomava uma Heineken gelada e as gotas caiam vez ou outra na manga da camisa. Estava na terceira garrafa e aborrecido por desenvolver uma maior tolerância ao álcool.

“Bons tempos de ficar louco com uma latinha de Skol”, pensou ele. Por um bom tempo, ele provavelmente foi o bêbado de melhor custo-benefício da cidade.

Ela chegou silenciosa, com aquele case guardando seu tão amado violino. O vestido preto parecia cair perfeitamente nos cento e cinquenta e seis centímetros de altura, e o cabelo preto caía caprichosamente do lado esquerdo do rosto.

Abriu um sorriso e o beijou no rosto.

- Olá.

- Olá. Ótima tarde pra se atrasar.

Ela riu.

- Desculpe. Não sei andar em SP.

- Ninguém sabe. Cerveja ?

- Água. Obrigada.

O garçom foi acionado e rapidamente trouxe o líquido sem graça.

O terraço sempre enchia naquela hora, não porque muitas pessoas gostassem de apreciar o pôr-do-sol (que imbecil não gostaria de ver o pôr-do-sol ? Um montão de pessoas, ao que parecia), mas porque fumar no fim de tarde era um ritual sagrado na civilização paulista.

- Tenho algo pra te falar, Di.

- Não tenho câncer.

Ela riu de novo, mas dessa vez estendendo a mão direita. Havia uma aliança direita gigantesca ali.
Houve um silêncio sepulcral no lugar de “OH-SIM-PARABÉNS-VAMOS-DAR-OS-PARABÉNS-PRA-ESSA-GAROTA-QUE-IRÁ-SE-CASAR-TER-FILHOS-E-ASSISTIR-TALK-SHOW-AOS-DOMINGOS”.

- Eu esperava um sorriso, ao menos.

- Perdão. Fase difícil. Não consigo mais notar a diferença entre as pessoas que anunciam casamento pra mim na quinta e na sexta.

Ela não sorriu. Ele não esperava que sorrisse. Havia algo de muito puto e surpreso no ar.

São Paulo, afinal.

- Eu tô feliz. Tô preparada pra isso e nós damos muito certo.

- Ya.

- Desculpe importunar.

Ela foi se levantar e sair da mesa, mas ele segurou sua mão. Não a que tinha a aliança. Essa coisa de casamento poderia contaminar.

- Falando sério, desculpe. Não quis parecer grosso. Realmente me pegou de calças curtas.

Houve um momento de hesitação, e então as coisas retornaram ao lugar – a garota, o violino, a calmaria.

- Espero que tu seja feliz. E todas as coisas que as pessoas desejam.

- Você acha que tô cometendo um erro ?

- Você é muito nova.

- Você sempre me disse que tempo é relativo.

- Disse. E digo. Mas essa regra não vale pras minhas desculpas.

- Eu só acho que...eu quero. Sabe ? Ele me completa. A única coisa que me amedronta é o peso social que isso implica.

- Sei como você se sente. Uma vez meus pais descobriram que transei com uma namorada lá em casa, durante a ausência deles, e olha, quem disse que homem não sente pressão social por sua vida afetiva, não esteve na mira do chinelo Rider da minha mãe...

- Não ! É sério. Eu só tenho medo de não conseguir lidar com tudo que o casamento envolve assim, de uma vez só.

- Sabe o que eu acho ?

- Vim aqui pra isso.

- Tu deveria viajar o mundo. Chapar. Fazer merda á torto e á direito. Sofrer, sorrir, conhecer o desconhecido, e só depois pensar em ficar grudada ad eternum em um par de calças.

- Não quero. Porquê ele é único,  e posso rodar o mundo e chapar toda a cocaína que tem por aí que não vou encontrar alguém assim de novo.

Ali houve um hiato. Porquê sempre havia uma convicção muito grande no que ele falava, mas quando o assunto era “pessoas insubstituíveis”, algo muito sério e atormentador ocorria nos porões daquele cara, e toda sua auto confiança perante a vida virava choro de criança no comercial de Neston.

Ela estava certa naquele ponto, e tinha conseguido dar nele algo que ele sempre dava nos outros :

Xeque-mate.

- Bom...eu...sim. Pessoas são únicas. Mas você pode achar outro alguém único que seja igualmente compatível contigo. Ou até mais.

- Di...eu não quero outro.

- Entendo.

O sol se pôs de vez, e toda a força que ele tinha nos minutos anteriores em provar que a vida independente e solteira era melhor do que viver com alguém se pôs também, provavelmente atrás do último gole de Heineken. Falar sobre o coração era falar sobre seu ponto fraco. Não poderiam discutir sobre Economia ?

Era melhor, oh sim, Deus sabe que é.

- Saca só, Spalla. Acho que tu é uma guria especial, e as pessoas tão perdidas, cada vez mais. Não perdidas no sentido religioso ou moralista, mas perdidas em nem saberem quem são ou o que querem. Sofrem o tempo todo e cavam a própria cova o tempo todo. Vivem na porra do piloto automático das tendências sociais e mal conseguem distinguir o que é delas e o que é dos outros. As relações hoje em dia são uma merda, traição e superficialidade pra todo lado e se tu, enquanto homem, o que não é seu caso, demonstrar fraqueza ou dependência, BANG ! É fim da linha, irmão. Se for mulher e der bandeira na relação ? BANG ! Fim da linha, gatinha.

Ele parou, pediu mais uma cerveja, e continuou :

- Mas...eu não vejo isso em você.

Ela parecia confusa. Dividida entre estar feliz e estar assustada. É, ele sempre fazia isso.

- Tu sabe quem é. Sabe suas convicções. Conhece seu coração e conhece seus deuses. Se tu me diz que tu ama ele, e essa é sua decisão...eu não tenho nada pra argumentar contra. Você não é mais uma na multidão. Suas decisões também não serão.

Mais um silêncio. Ele ia pegar a nova garrafa, quando ela abriu um sorriso enorme e pulou no pescoço dele, dizendo em alto e bom som  “Você é incrível, Di ! E eu te adoro !” (Porque ? Ele queria terminar aquele discurso no melhor estilo Clint Eastwood, e ela transformou aquele final numa comédia romântica no qual ele parecia o amigo coadjuvante que salva a porra toda. Ok. Ele perdoava.)

- Você merece alguém especial, guri.

Ouch. Poderia dormir sem essa.

- Você também. Vai lá, garota. Sem medo.

- Sem medo ! Eu tenho que ir pro trabalho agora...a gente se fala, ok ?

- Aham.

- Obrigada pelas palavras. Mesmo.

(Outro abraço longo e apertado).

- You’re welcome.

Ela se foi, com as portas do elevador se fechando logo atrás.

Ele se virou, fitou as estrelas que começavam a aparecer.

Só mais uma noite na qual a companhia pra vida toda ainda seria a cerveja e o blues tocando no fundo. Mas ao menos, havia um novo olhar brilhando na selva de pedra. Era bom ter feito parte disso.

Levantou a garrafa, brindou o espaço vazio da noite e disse baixo :

- Á eternidade. Pra todos nós.


AD INFINITUMN

2 comentários:

(Ava) Amanda V. Almeida disse...

Oi Diego tudo bem?
Que estória legal. Bem palpável, dá até a impressão de que ela aconteceu de fato. E se de fato foi real, espero que ela seja feliz e que ele não tenha a penas mais noites regadas a cerveja e jazz.
Abraços,
Amanda Almeida

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.