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segunda-feira, 16 de março de 2015

É uma partida de futebol.




Dia desses, em meio á uma das chuvas torrenciais paulistas, daquelas que você agradece até enchente na esperança de encher as represas, tiveram uma ideia genial lá na repartição.

Agora que todos estavam instalados na maldita zona leste da cidade, deveríamos marcar um futebol em alguma quadra perto.

Como quem não quer nada, topei.

Sempre fui tarado por futebol. Sei a escalação do Palmeiras de 1993, de 1999, e até do escrete cancerígeno de 2006, que detinha em seu esquadrão jogadores como Edmílson, o Canhão do Pantanal.

Mas não vamos falar de coisas ruins.

Até um mês atrás, havia outra coisa que me inflava os sentimentos e me desfazia na mediocridade quando eu tentava executar, e não apenas curtir :

Música.

Para total surpresa, evolui muito bem nas aulas de guitarra, recebendo elogios e um tom cético da professora perante minha reafirmação de que eu parecia um babuíno ao tentar fazer acordes no violão.

Tal evolução me incentivou á buscar um maior treino, ainda que não direcionado nem tutorado, no esporte mais interessante do planeta. Que me desculpem - que se explodam - os outros.

Topei o desafio, e trouxe minha camisa verde claro do Palmeiras 2013, uma homenagem á Academia dos anos 70, meu shorts meia boca e uma kichute lotada de travas de plástico vagabundo chinês.

Logo de cara notei que iria ter que superar um certo nível de imbecilidade própria, pois a quadra era de taco, e travas se usam na grama. Eu iria ter que me esforçar para não patinar como um maldito aprendiz de esquiador.

Ignorando tal fato, me dirigi junto com alguns colegas até o local marcado.

A quadra era bonita e coberta, porém as instalações eram dignas de um matadouro clandestino.

Tudo perfeito como deveria ser.

Equipes escolhidas, começamos o jogo. Acerto dois passes com calma, e de repente já alcancei meu maior recorde pessoal em passes concluídos seguidos.

Penso, evito desespero, ganhamos uma. Acaba com dois gols, entra outra time.

Vou pro gol pra revezar, já esperando a frase "chuta que é gol" e preparando o dedo do meio como resposta, mas pouco sou ameaçado, até que o cara com o chute mais ignorante da porra toda ganha do zagueiro e aparece na minha frente armando a bicuda mortal.

Defesa filha de uma puta !

A bola vem a meia altura, tento defender avançando com as pernas mais abertas numa tentativa de fechar o ângulo - igual um goleiro de Hockey, um esporte no qual coincidentemente pessoas patinam também - e consigo milagrosamente (pra mim, é claro) explodir a pelota pra escanteio.

Tento retomar o equilíbrio logo em seguida, não consigo, dou quatro passos pra trás agitando os braços no ar e caio dentro do gol espalhafatosamente.

A torcida de bastardos lá fora grita como se fosse um título, mas eu me levanto feliz por ter evitado o gol adversário. Todos querem ver o craque do time pagando mico, essa é a única explicação plausível.

Ganhamos mais três jogos seguidos, e no último deles, mando um cacete de assistência de primeira, á meia altura. A bola cruzou por trás da defesa desprevenida (porque afinal de contas ninguém esperava nada melhor do que uma espirrada ou uma matada de bola com a canela) e encontrou o pé calibrado do companheiro de equipe, que fuzilou o canto.

Aquela assistência tinha sido melhor do que marcar um gol. Eu havia feito algo inteligível. Evoluí uns dez anos ali.

Fomos eliminados posteriormente. Voltamos depois, no time dos sem camisa.

Preciso dizer algo : odeio tirar a porra da camisa. Você pode dizer que é viadagem, e eu vou mandar você tomar no cu. Com todo o respeito.

Mas tirei, porque aquele parecia um dia de melhorar meu status de "negação absoluta" para "talvez haja esperança num futuro distante".

Jogo, barro dois chutes fatais, faço um desarme arrancando canelas no caminho, como um zagueiro-zagueiro.

"Caralho, não foi falta porra nenhuma !"

"Como não foi falta, Diego ? Tá louco ?!"

"Porra nenhuma ! Viado !"

O jogo segue, a falta não dá em nada. Certa feita, gritam :

"Levanta esse shorts !"

"Vai tomar no teu cu !"

"Mas levanta primeiro !"

"Entra aqui na quadra que eu te levanto, filho da puta !"

Todos rimos.

Bati neles depois.

Lances normais, na bola. Pedem falta porque só sabem chorar quando perdem o doce.

Já lá pelas duas horas na quadra, e uma admiração pela minha capacidade de não pedir arrego mesmo com a kichute ching ling me fodendo a planta dos pés, tento defender uma bicuda com a mão espalmada.

Erro primário de cabaço. No futebol profissional, o goleiro sempre vai de punho fechado em bolas assim.

Descobri com meus dedos formigando de dor e com a bola no fundo das redes o porquê.

Me fodi, mas na outra partida, tentaram me dar o drible da vaca.

Um cara maior que eu, mas aí vou te falar, aconteceu algo que realmente foi sem maldade. E foi o meu melhor lance. Me consagrei como beque, volante marcador, sangue nos olhos e chuteiras, Gattuso do Terceiro Mundo, Amaral da nova geração, Odvan branco.

A bola passou. Ele não.

Não só não passou, como voltou bem uns cinco metros pra trás até sentir o gosto do chão.

Juro que achei lance normal, já que apenas fiz uma jogada ombro á ombro (que acertou meio na clavícula) e se não fossem os protestos do mesmo, eu nem lembraria de ir lá ajudar á levantar e pedir desculpas.

Acho que ele não aceitou, porque não me respondeu, mas porra, é futebol, não é videogame.

Termina o certame, os escretes vão pro vestiário de açougue.

Roupas trocadas e cara lavada, me encaminho pro boteco ali do lugar.

Os donos da birosca são dois senhores. Palito de dente na boca, cabelo branco, camisa social abrindo na barriga, foto de time campeão de 1973 na parede. Paredes cor de mijo, louça na pia, meia dúzia de tiozões discutindo carros no balcão ao lado.

Um rádio toca alguma música do Erasmo, a televisão é uma daquelas antigas, com direito á antena analógica e imagem toda zebrada.

Meu maior respeito e admiração pelo lugar.

O senhor acena com a cabeça pra mim, entendo que isso é o "posso ajudar ?", pego um Gatorade na geladeira, já com vergonha de não pedir uma Brahma, que tenho certeza que é a única marca existente ali, mas tento me recuperar evitando a pergunta constrangedora - se aceitam cartão.

Pago com uma nota de cinco, meio suja, meio colada com durex.

"Tu tava jogando ali agora, né ?!"

"Tava sim"

"Do cacete, foram até o final."

"Valeu, cara"

"Voltem sempre aí, garoto."

"Pode ter certeza."

Me despeço de todos aqueles que eventualmente parei acintosamente sem falta, coloco a mochila nas costas e vou embora com alguns amigos.

Na mente, no espírito e nas marcas da canela, só uma certeza.

Eu havia finalmente disputado uma verdadeira partida de futebol.














2 comentários:

Unknown disse...

Não tem joinha, mas sinta-se "curtido".. Hahaha
Sempre textos legais!

Unknown disse...

Não tem joinha, mas sinta-se "curtido".. Hahaha
Sempre textos legais!