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segunda-feira, 19 de abril de 2010

E eu acho mesmo...






...Que o crachá arrebentado e remendado nunca representou tão bem a imagem do funcionário que o veste.

Era como olhar para aquela velha foto, amassada, em tom sépia, na qual você estava sorrindo, e ter saudades.E guardar depois ela em uma daquelas latas de Ninho que sua vó deu pra você soltar pipa, porque é algo a se guardar.

E toda vez que ele se olhava no espelho, havia um brilho a menos, um defeito a mais.Não eram os olhos apaixonados de Dezembro.Não eram os olhos profundos de Setembro.
Eram olhos com um pouco de esperança, um pouco de medo, e muito cansaço e história pra contar.

Começara com as desilusões profissionais.Depois para a dor do amor, essa dor que se repete das mais variadas formas com as mais variadas pessoas.Então, vieram os problemas familiares, e agora, por fim, a doença.

Olheiras, tosse, dor.

E ele sabe que não é mais tão interessante, pelo menos por enquanto, ver as pessoas lá fora, saber que ainda existe um mundo que ainda precisa de sonhadores.Não por enquanto.Não enquanto ele não conseguir se movimentar sem precisar de todo aquele esforço.

E aquela sensação, droga, aquela sensação, de estar perdendo velocidade, de não estar fazendo parte da história, de morrer como um a mais qualquer, com um epitáfio bonitinho na lápide, parentes chorando no velório e um popular lamentando a morte de alguém tão jovem.E um mundo todo, pra trás.

A sensação que existia antes de qualquer doença.A sensação que apertou seu coração e o fez sofrer naquela noite de Abril passado, a sensação que o fez questionar sua fé naquele sol de Julho, na cidade-favela, e a mesma sensação que derrubou ele de vez em janeiro, quando teve que dizer adeus para quem não queria DE NOVO, quando teve que fingir que estava tudo bem DE NOVO, quando teve que mentir para si mesmo da mesma forma que se mente pra uma criança não chorar, que estava tudo certo e que tudo ultimamente está certo, e que vai ficar tudo bem amanhã cedo porque era pra estar, porque ele é uma boa pessoa segundo as pessoas e...ah é, a maioria das pessoas foram embora e nem entram de vez em quando pra saber como ele está.Droga, porque quando olha ao redor, tem tanta gente feliz, e ele, com tanta merda enfrentada nos últimos tempos, NÃO tem uma porra de história legal, não tem uma história de sucesso na comunidade, não existe mais namoros estáveis ou excelências escolares.

Se houvesse um infográfico, um daqueles que mostram a setinha subindo ou descendo conforme o crescimento, o dele estaria despencando de forma deprimente.A doença era como um aviso daquilo que QUALQUER pessoa que avaliasse friamente sua vida de estagiário puto e idiota concluiria : Você está tão decadente que só falta morrer.

E todo dia, ele levanta, mas ele não sente mais que vai conquistar o mundo.Sente apenas que está se debatendo, se negando a aceitar que tenha um destino menor do que pessoas que acordam e deitam ferrando a vida de meio mundo, se negando a aceitar que por ter feito tudo certo, tenha tanta tristeza enquanto outros são tão felizes.Nunca houve pausa.Ele esteve todo esse tempo lutando por uma vida melhor e tudo que conseguiu foi ficar tão...


Cansado.Respire novamente, uma nova tosse.Uma velha lembrança.Deixa ele acreditar que ainda dá.Só pra não chorar essa noite, DE NOVO.

E ele acha mesmo que o crachá velho e arrebentado não vai durar muito tempo.Assim como seu funcionário.





AD INFINITUM