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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

House of Cards




"Nunca se é homem enquanto se não encontra alguma coisa pela qual se estaria disposto a morrer."

Sartre




Quando você cresce, aprende que existe algo chamado poder pessoal – popularmente conhecido como livre arbítrio. O poder pessoal nada mais é do que a sua capacidade de definir o próprio destino.

Sim. Você pode escrever sua própria história. Sabia disso ? Parece insondável que em um mundo tão vasto e de tantos acontecimentos, a maior parte do que ocorre com você seja...conseqüência direta do que você faz, da forma como você vê, dos sentimentos que você carrega.

Lidar com isso, no começo, é muito complicado. Saber que o presente mais valioso que Deus nos deu é a capacidade de sermos uma espécie de...Deus para nós mesmos, definindo nossas recompensas e sofrimentos, parece um peso gigantesco. Preferimos o anonimato no começo, a zona de conforto. Você está sozinho porque as pessoas são chatas. Está acima do peso porque tem problemas genéticos. O Brasil é uma merda porque os políticos (e não quem os elege e não os cobra devidamente) são corruptos. A culpa é do outro. A culpa é do coletivo.

Você sonha chegar na garota mais bonita da faculdade. Não chega. Você sonha cruzar o Atacama. Cruza a rua. Você sonha mudar a vida das pessoas pra melhor. Você se sabota.

O medo de assumir sua capacidade fantástica de construir impérios baseado na sua força de vontade e potencial de aprendizado é maior do que os benefícios infinitos que assumir isso traria.

Somos burros demais, não somos ? Ás vezes, sim.

Mas, o que realmente dói, o que nos dilacera, corta, humilha e destrói, não são as coisas que podemos fazer e não fazemos. Essas, quando pegam mesmo na consciência, não nos deixam em paz até as completarmos. 

É assim que crescemos por vontade própria.

Existe uma porcentagem pequena – acredite, é realmente pequena, não vou ficar fazendo conta, mas digamos que uma em cem – das coisas que ocorrem na sua vida que não dependem de você. Não importa o que você faça, o quanto você grite, quanto dinheiro você tem, se você joga futebol ou squash. Não faz diferença.

Note isso : você não faz diferença. Não nesse ponto pequeno de tantas ações que definem seu destino. Dói ler isso. Se você tem ego, auto estima ou leu com atenção, vai ter doído.

Esse momento, em que o tempo para e você se torna impotente, humano na sua pior definição, é o momento aonde algo que definitivamente vai lhe atingir ocorre.

Pode ser uma intervenção de Deus. Um acidente quântico do universo (ateus sentirão prazer infinito após ter lido isso). Um fato que, contra e esnobando qualquer tipo de desejo, vontade ou ato seu, IRÁ ocorrer, da forma como ele, ou a força que o comete, definiu. Irá impactar em seu mundo como um meteoro, pequeno como uma bola de gude ou gigante como uma cidade, e irá causar uma modificação em toda sua estrutura de acordo com o seu tamanho e velocidade.

Quando o ano virou, eu jurei que tiraria os planos do papel e colocaria em ação. Que enfrentaria meus medos mais soberbos. Que arquitetaria e executaria de forma cinematográfica meus objetivos mais concretos.

Oras, o ano virou.

Eu mudei para um emprego melhor. Eu descobri novos livros. Novas músicas. Novas pessoas. Novos mundos. Aumentei meu microuniverso.

Mas, como eu disse, existe um tempo na sua vida aonde coisas que não dependem das suas ações irão acontecer.

E então, eu perdi pessoas.

Primeiro, perdi um velho amigo por câncer. Havia um tempo em que eu não falava com ele, correria da vida. Quando lembrei, recebi a notícia : ele havia falecido há um mês. A última lembrança que eu tinha desse amigo era dele se despedindo de mim no meu antigo trabalho, e dizendo : “Porra Diego, tá indo mesmo. Você vai longe cara, eu boto fé em você. Apesar de ser folgado pra caralho !”, e deu risada da minha cara. Era o estilo dele fazer isso. E era o meu estilo me perder no tempo e não conseguir rever as pessoas.
Mas tudo bem. Acontece. A gente leva, a gente tenta. Você amacia a consciência, tenta pensar que foi um bom colega, que o cara agora tá num lugar melhor. É provável que esteja. Porrada inesperada, vamos tentar manter o rumo. E esquecer menos de quem amanhã pode não estar aqui. Ou seja, todos.

Então, veio a segunda.

Perdi minha avó, madrinha, quase uma segunda mãe. Esse foi um meteoro dos grandes. Não vou me alongar. Não vou fazer disso um obituário, e pra você, leitor, isso tornaria o texto pessoal demais. Não é a mensagem a ser passada. Mas doeu, e mais do que nunca, eu me toquei de que embora a vida fosse minha, e eu tivesse total influência em seu rumo, ela seguia um script aparentemente escrito á duas mãos. Não escolher também era escolha.

Meu pai dizia, e ainda diz, que não entende porque com “tanta gente ruim no mundo”, minha avó que foi partir. Eu não penso assim, não consigo pensar. Acho que mérito é antes de tudo, individual, não coletivo. O mérito coletivo é a soma dos méritos individuais. O Brasil ganhou a copa de 70 porque tinha um montão de craques. E estamos aqui pra aprender. A história continua !

Minha avó não sofreu na partida. Viveu bem, a mesma quantidade de anos que o IBGE prega pra população brasileira. Sinto a falta dela, mas não odeio Deus por isso. Eu acho que ser o melhor que posso (nem sempre consigo), é uma forma de fazê-la feliz. E bem, é isso.

Nessa altura, eu já havia assumido que, periodicamente, as cartas que a vida me dava mudavam, e ás vezes, vinham bem ruins. A jogada era minha, mas quem definia se a próxima carta era um as de espadas ou um valete de copas era ela. Passei a jogar pra valer. Decidi que ela ia encontrar um dos melhores players da história.

Então coloquei mais coisas em ação. Apertei mais o tempo. Aprendi mais. Medo ? Me dá aqui que eu devoro. Oras, eu estou ficando bom nesse jogo, porra ! Ia terminar o ano com uma jogada de efeito, um Full House, uma carta que quebraria a banca, colocaria 2013 como uma grande virada, um divisor de águas.
E aí, a vida ferrou com meu Full House.

(Vadia de merda).

Tudo, todas as possibilidades matemáticas, todos os índices de sorte, o alinhamento das estrelas, minha experiência, a opinião dos outros, tudo indicava que a próxima carta era um Rei de Copas.
E então, me apareceu uma outra carta.

Um belo dia, minha cachorra começou a tossir. Tossir demais. Também passou a perder peso muito rápido, logo não conseguia nem correr ou latir direito.

Levamos ao veterinário, e bem, eu não vou dissecar sofrimento. Não, eu não sou um mensageiro da dor.

Apenas digo que, estou realmente prestes a perder ela. Entendam “prestes” como 24 horas.

Não vou entrar no mérito da importância dos animais. Digo, apenas para que a mensagem final desse texto fique clara, que eu gosto pra caralho deles, particularmente de cachorros.

E que, em 10 anos, eu aprendi a gostar muito da minha. Que a considero parte eterna da minha família. Igual gente. Sim. Igual gente.

Eu acho que, por estar numa crista de auto confiança, por entender que nada nem ninguém atrapalharia minha jogada mais legal até então, que as coisas que haviam ocorrido já tinham sido perdas danosas demais, a próxima carta seria a minha carta.

Quando percebi que mais um meteoro grande, que está entrando na atmosfera do meu mundo nesse instante e queimando os céus, iria colidir violentamente comigo mais uma vez, foi um misto de revolta, dor e...impotência – olha ela aí novamente.

Tentei desviar o pensamento, tentei me focar em outras coisas. Mas aquele incômodo ficava lá no fundo, por mais que eu quisesse ignorar, a luz e o calor daquela bola de fogo anunciando a destruição porvir não me deixava descansar o coração.

Fui hoje pra academia e corri como nunca corri antes na esteira. Como se quisesse fugir de algo. Fugir da minha própria vida, fugir do fato inegável de que uma despedida está para acontecer, uma porrada indefensável que está para destrinchar os músculos do meu estômago, uma nova cicatriz pra marcar minhas costas que estão ficando tão largas.

Corri, até meu corpo inteiro estar dormente e com dor ao mesmo tempo. Até sentir meu coração acelerar demais, até sentir o ar não conseguir suprir mais o cérebro. Então parei, e fui pra casa, nas ruas desertas á noite.

Meu corpo estava detonado, mas a mente ainda pulsava. O meteoro ainda estava vindo, devagar, cruel, exibindo sua flama a cada centímetro conquistado. Uma parte importante do meu mundo seria vaporizada em questão de minutos. E aquele era eu, de mãos atadas.

Cheguei em casa, e deito do lado dela. Ela tremia inteira. Os ossos já estavam muito mais presentes do que os músculos. Seu olhar, sempre amoroso, agora parecia cansado.

“Ela comeu ?”, perguntei ao meu pai. Eu já sabia a resposta.

“Não.”. E então o complemento. “Ela não está reagindo ao tratamento, está perdendo a consciência. Acho que realmente teremos que sacrificar na sexta”.

Eu não disse nada. Continuei ali, abraçando ela e olhando o teto escuro do quarto.

Sacrifício. Consciência. Reação. Sexta.

Dor.

Não agüentei a carga. Fui pro banheiro, liguei o chuveiro, e comecei a chorar como um digno filho da puta.

Não foi um choro contido, ou um choro de criança. Foi choro pra valer. De soluçar. De socar a parede. De querer metralhar tudo que existe.

De se sentir tão pequeno, e pequeno, e pequeno.

E então, vem o final, leitor.

Eu, bem, poderia me tornar amargo, ou pior, juiz de futebol. Político. Revoltado.

Mas, esses meteoros que pintam na nossa vida, essas cartas erradas, esses pequenos versos que aparecem no meio dos nossos melhores poemas : eles são uma das melhores coisas que podem nos ocorrer.

No final, por mais agressivo e estúpido que possa parecer, tais fatos nos impulsionam muito além do que iríamos se fizéssemos tudo sozinho. Nos revoltamos pois, geralmente, lemos a página – em vez de julgar o livro inteiro. Nos revoltamos pois, somos imediatistas. Não entendemos o tempo das coisas – preferimos entender o tempo do expediente. Vivemos em prol de olho por olho, dente por dente. De desejos ególatras. De querer ter poder sobre a morte, sobre a vida, sobre o mundo dos outros também.

Não sabemos, talvez, que a carta errada nos força a jogar ainda melhor. Que o meteoro destrói o que era imperfeito para construirmos algo ainda mais bonito, e que a história que tivemos com nossos entes e seres queridos fica pra sempre, não importa que porra venha dos céus.

Dói, eu nem quero imaginar amanhã. Ou depois. Eu vou continuar vivendo por aqui, e quando o meteoro estiver bem perto, quando ele tocar o solo e aquela onda avassaladora vier comendo o chão, eu vou fechar os olhos e fazer um minuto de silêncio.

Vou agradecer todos os momentos que pude ter com ela. Vou agradecer as chances que tive. Vou pedir para que ela seja recompensada pela ótima companhia que foi. E vou deixar o som do fim ecoar.

Não importa quantas vezes e quantas partes de nós sejam detonadas. Sempre levantamos novamente. Melhores. E mais fortes.

Que venha o amanhã. Pra mim. Pra você. Pra todos nós.

Ainda há muito a se fazer. Ainda há um jogo a se ganhar.




AD INFINITUMN.




1 comentários:

RGP disse...

Cara parabéns pelo texto, e pela atitude, infelizmente a vida é assim né, agente perde mais do que ganha,mais o que não nos mata nos fortalece, sempre pra frente! um grande abraço e parabéns novamente!